Existem artifícios inusitados e tocantes dos
quais o diretor Taika Waititi lança mão para fazer aqui um filme de guerra que
durante sua maior parte do tempo não quer parecer um filme de guerra.
Seu pequeno herói (e personagem título) é Jojo
Betzler (o notável Roman Griffin Davis), um jovem alemão de 12 anos de idade,
ávido por integrar a juventude hitlerista naquela época em que corre a Segunda
Guerra Mundial –tanto que o amigo imaginário de Jojo é um Adolph Hitler
transfigurado pelos rompantes pueris do próprio Jojo (surgindo em cena
personificado com equilíbrio refinado entre sátira, paródia e crítica
demolidora pelo diretor Waititi).
Na colônia de férias para onde vai –da qual se
ocupa a primeira hora de filme –Jojo consegue apenas ser apelidado de Coelho:
apenas porque relutou em matar um.
Na tentativa subsequente de mostrar coragem,
ele acaba com uma granada explodindo em sua cara (!) e volta para casa.
Todavia, algo está diferente. Como ele vai aos
poucos descobrir, sua mãe Rose (Scarlett Johansson, inspiradíssima) contornou
as perdas do pai e da irmã mais velha de Jojo (ambos perecidos na guerra)
escondendo no sotão a menina judia Elsa Korr (Thomasin McKenzie).
Um dilema ocorre então ao pequeno protagonista
–e dele nascem as dinâmicas que determinam o filme: Jojo finge para a mãe que
nada sabe –e deve reavaliar assim o próprio nacionalismo cego, manifestado na
forma de chiliques homéricos de seu amigo imaginário. A mãe finge para Jojo que
tudo está como era antes (numa atuação rica em camadas de Johansson que coloca
a situação de “A Vida É Bela”, um pouco similar, no chinelo!). E enquanto nada
se resolve, e a guerra corre solta na Europa –mostrada em pequenos indícios
recheados de ironia –Jojo vai galgando a curiosidade despertada pela refugiada
em seu sotão, e descobre que, por trás do preconceito que a lavagem cerebral do
nazismo o ensinou a ter, os judeus são seres humanos dotados de beleza,
inteligência, força e encantamento –características que gradualmente o fazem
descobrir-se enamorado por Elsa.
Durante a temporada de premiações –que culminou
com o filme conquistando o Oscar 2020 de Melhor Roteiro Adaptado –“Jojo Rabbit”
ocupou o centro de um debate da crítica sobre ser ou não apropriado um filme de
comédia ambientar-se e contextualizar-se no traumático episódio histórico da
Segunda Guerra Mundial.
Realizado com o mesmo equilíbrio e parcimônia
demonstrados em trabalhos nunca menos que ótimos, como “O Que Fazemos Nas
Sombras”, “A Incrível Aventura de Rick Baker” e o comercial “Thor-Ragnarok”, o
filme realizado por Waititi prova que sim, é perfeitamente apropriado ambientar
uma comédia na Segunda Grande Guerra, inclusive, no coração da própria Alemanha
nazista desde que, como aqui, o bom senso de seu realizador trabalhe em
constante sintonia com seu ímpeto criativo.
“Jojo Rabbit” abraça assim todas as condições
da divertida comédia que é; porque nesse terreno Taika Waititi se revela um
gênio inconteste; porque assim ele põe à mesa, com muito humor, as cartas
inesperadas que farão seu filme poderosamente contundente; e porque quando
“Jojo Rabbit” por fim tiver incorporado suas inevitáveis tintas dramáticas
–absolutamente inerentes na premissa que possui –toda essa leveza que as
antecipou fez com que as defesas do expectador fossem desarmadas preparando-o
para o seu impactante terço final.
Não, Waititi não esquece que sua obra é um
filme de guerra, e como tal, ele não poupa os personagens e, portanto, o
expectador de descobrirem as consequências atrozes de se viver sob a ameaça do
conflito.
“Jojo Rabbit” tem uma
condução bela, engraçada e lúdica rumo a uma constatação amarga e necessária,
um filme que diverte, emociona e nos faz pensar.
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