terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Jojo Rabbit

Existem artifícios inusitados e tocantes dos quais o diretor Taika Waititi lança mão para fazer aqui um filme de guerra que durante sua maior parte do tempo não quer parecer um filme de guerra.
Seu pequeno herói (e personagem título) é Jojo Betzler (o notável Roman Griffin Davis), um jovem alemão de 12 anos de idade, ávido por integrar a juventude hitlerista naquela época em que corre a Segunda Guerra Mundial –tanto que o amigo imaginário de Jojo é um Adolph Hitler transfigurado pelos rompantes pueris do próprio Jojo (surgindo em cena personificado com equilíbrio refinado entre sátira, paródia e crítica demolidora pelo diretor Waititi).
Na colônia de férias para onde vai –da qual se ocupa a primeira hora de filme –Jojo consegue apenas ser apelidado de Coelho: apenas porque relutou em matar um.
Na tentativa subsequente de mostrar coragem, ele acaba com uma granada explodindo em sua cara (!) e volta para casa.
Todavia, algo está diferente. Como ele vai aos poucos descobrir, sua mãe Rose (Scarlett Johansson, inspiradíssima) contornou as perdas do pai e da irmã mais velha de Jojo (ambos perecidos na guerra) escondendo no sotão a menina judia Elsa Korr (Thomasin McKenzie).
Um dilema ocorre então ao pequeno protagonista –e dele nascem as dinâmicas que determinam o filme: Jojo finge para a mãe que nada sabe –e deve reavaliar assim o próprio nacionalismo cego, manifestado na forma de chiliques homéricos de seu amigo imaginário. A mãe finge para Jojo que tudo está como era antes (numa atuação rica em camadas de Johansson que coloca a situação de “A Vida É Bela”, um pouco similar, no chinelo!). E enquanto nada se resolve, e a guerra corre solta na Europa –mostrada em pequenos indícios recheados de ironia –Jojo vai galgando a curiosidade despertada pela refugiada em seu sotão, e descobre que, por trás do preconceito que a lavagem cerebral do nazismo o ensinou a ter, os judeus são seres humanos dotados de beleza, inteligência, força e encantamento –características que gradualmente o fazem descobrir-se enamorado por Elsa.
Durante a temporada de premiações –que culminou com o filme conquistando o Oscar 2020 de Melhor Roteiro Adaptado –“Jojo Rabbit” ocupou o centro de um debate da crítica sobre ser ou não apropriado um filme de comédia ambientar-se e contextualizar-se no traumático episódio histórico da Segunda Guerra Mundial.
Realizado com o mesmo equilíbrio e parcimônia demonstrados em trabalhos nunca menos que ótimos, como “O Que Fazemos Nas Sombras”, “A Incrível Aventura de Rick Baker” e o comercial “Thor-Ragnarok”, o filme realizado por Waititi prova que sim, é perfeitamente apropriado ambientar uma comédia na Segunda Grande Guerra, inclusive, no coração da própria Alemanha nazista desde que, como aqui, o bom senso de seu realizador trabalhe em constante sintonia com seu ímpeto criativo.
“Jojo Rabbit” abraça assim todas as condições da divertida comédia que é; porque nesse terreno Taika Waititi se revela um gênio inconteste; porque assim ele põe à mesa, com muito humor, as cartas inesperadas que farão seu filme poderosamente contundente; e porque quando “Jojo Rabbit” por fim tiver incorporado suas inevitáveis tintas dramáticas –absolutamente inerentes na premissa que possui –toda essa leveza que as antecipou fez com que as defesas do expectador fossem desarmadas preparando-o para o seu impactante terço final.
Não, Waititi não esquece que sua obra é um filme de guerra, e como tal, ele não poupa os personagens e, portanto, o expectador de descobrirem as consequências atrozes de se viver sob a ameaça do conflito.
“Jojo Rabbit” tem uma condução bela, engraçada e lúdica rumo a uma constatação amarga e necessária, um filme que diverte, emociona e nos faz pensar.

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