Embora bastante modesto, existem nomes muito
emblemáticos para o cinema brasileiro por trás da realização de “Boa Sorte”: Na
produção, a estrela Deborah Secco e o também diretor Guel Arraes (de “O Auto da Compadecida”); no roteiro, Jorge Furtado (diretor de “O Homem Que Copiava” e
“Meu Tio Matou Um Cara”) que adapta, ao lado do filho Pedro Furtado, o conto de
sua própria autoria; e na direção, Carolina Jabor, filha do diretor Arnaldo
Jabor (dos clássicos nacionais “Toda Nudez Será Castigada”, “Eu Sei Que Vou Te
Amar” e “Pindorama”).
Em seu aspecto inicial, “Boa Sorte” parece
fazer alusão a uma categoria de obras de cinema voltada para os marginalizados
de algum sistema manicomial, de onde saíram produções como “Paixões Que
Alucinam”, “Garota Interrompida”, o também nacional “Bicho de Sete Cabeças” e o
oscarizado “Um Estranho No Ninho”.
Ao contrário da maioria deles, “Boa Sorte” não
almeja fazer uma denúncia dos procedimentos rudimentares e questionáveis aos
quais os internos são submetidos, quer em vez disso –num reflexo bem
característico das qualidades de Jorge Furtado como contador de histórias
–observar as emoções universais do drama humano e esboçar uma história de amor.
O adolescente João (João Pedro Zappa)
experimentava uma rotina de tão profunda apatia em seu meio familiar que
viciou-se no comprimido Frontal por acreditar que, ao misturá-lo com Fanta,
podia ficar invisível (!).
Seus pais (Felipe Camargo e Gisele Fróes) o
colocam assim numa daquelas clínicas de reabilitação, sempre retratadas no
cinema como um lugar que mais compromete a condição dos pacientes do que
propicia a sua melhora. E é com esses elementos, já desde o início, que o filme
de Carolina Jabor trabalha, sem muito constrangimento com o uso de alguns
clichês.
Felizmente, ela sabe empregar uma condução bela
e envolvente que facilmente conquista o expectador.
Já convertido em mais um dos muitos pacientes
sorumbáticos que titubeiam pelos corredores da clínica, medicado até perder o
senso de realidade, João conhece Judite (Deborah Secco, totalmente entregue ao
papel).
Infectada com HIV positivo, e viciada em toda
sorte de drogas, Judite sabe que vai morrer e, talvez, até pela graça da
contradição se revela, à João e ao público, como alguém cheio de vida.
Ele apaixona-se por ela, indiferente ao fato de
que seu romance tem uma curta data de validade –e disso, o filme faz seu cerne
e estrutura. Uma história de amor de ambientação, circunstância e tonalidade
muito específicas e peculiares.
Há beleza, empatia e até mesmo poesia
justamente nessa simplicidade que “Boa Sorte” abraça –sem panfletagens, sem
demagogia e sem jocosa contundência, Carolina Jabor entrega uma boa história ao
expectador, prazerosa de se acompanhar, com personagens bem construídos e bem
interpretados aos quais nos apegamos com facilidade.
E com toda essa transparência acaba
viabilizando em si o discurso de todos os outros exemplares de filmes citados:
O conflito de gerações incompatíveis (também presente em “Bicho de Sete
Cabeças”); a rebeldia da juventude tolhida por escolhas equivocadas e nocivas
(“Garota Interrompida”); e o tema de “Um Estranho No Ninho”, a difícil relação
dos pacientes (aqui, jovens) e suas figuras de autoridade (adultos), os
enfermeiros, médicos e, em última instância, os pais.
Belíssimo trabalho.
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