quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Boa Sorte

Embora bastante modesto, existem nomes muito emblemáticos para o cinema brasileiro por trás da realização de “Boa Sorte”: Na produção, a estrela Deborah Secco e o também diretor Guel Arraes (de “O Auto da Compadecida”); no roteiro, Jorge Furtado (diretor de “O Homem Que Copiava” e “Meu Tio Matou Um Cara”) que adapta, ao lado do filho Pedro Furtado, o conto de sua própria autoria; e na direção, Carolina Jabor, filha do diretor Arnaldo Jabor (dos clássicos nacionais “Toda Nudez Será Castigada”, “Eu Sei Que Vou Te Amar” e “Pindorama”).
Em seu aspecto inicial, “Boa Sorte” parece fazer alusão a uma categoria de obras de cinema voltada para os marginalizados de algum sistema manicomial, de onde saíram produções como “Paixões Que Alucinam”, “Garota Interrompida”, o também nacional “Bicho de Sete Cabeças” e o oscarizado “Um Estranho No Ninho”.
Ao contrário da maioria deles, “Boa Sorte” não almeja fazer uma denúncia dos procedimentos rudimentares e questionáveis aos quais os internos são submetidos, quer em vez disso –num reflexo bem característico das qualidades de Jorge Furtado como contador de histórias –observar as emoções universais do drama humano e esboçar uma história de amor.
O adolescente João (João Pedro Zappa) experimentava uma rotina de tão profunda apatia em seu meio familiar que viciou-se no comprimido Frontal por acreditar que, ao misturá-lo com Fanta, podia ficar invisível (!).
Seus pais (Felipe Camargo e Gisele Fróes) o colocam assim numa daquelas clínicas de reabilitação, sempre retratadas no cinema como um lugar que mais compromete a condição dos pacientes do que propicia a sua melhora. E é com esses elementos, já desde o início, que o filme de Carolina Jabor trabalha, sem muito constrangimento com o uso de alguns clichês.
Felizmente, ela sabe empregar uma condução bela e envolvente que facilmente conquista o expectador.
Já convertido em mais um dos muitos pacientes sorumbáticos que titubeiam pelos corredores da clínica, medicado até perder o senso de realidade, João conhece Judite (Deborah Secco, totalmente entregue ao papel).
Infectada com HIV positivo, e viciada em toda sorte de drogas, Judite sabe que vai morrer e, talvez, até pela graça da contradição se revela, à João e ao público, como alguém cheio de vida.
Ele apaixona-se por ela, indiferente ao fato de que seu romance tem uma curta data de validade –e disso, o filme faz seu cerne e estrutura. Uma história de amor de ambientação, circunstância e tonalidade muito específicas e peculiares.
Há beleza, empatia e até mesmo poesia justamente nessa simplicidade que “Boa Sorte” abraça –sem panfletagens, sem demagogia e sem jocosa contundência, Carolina Jabor entrega uma boa história ao expectador, prazerosa de se acompanhar, com personagens bem construídos e bem interpretados aos quais nos apegamos com facilidade.
E com toda essa transparência acaba viabilizando em si o discurso de todos os outros exemplares de filmes citados: O conflito de gerações incompatíveis (também presente em “Bicho de Sete Cabeças”); a rebeldia da juventude tolhida por escolhas equivocadas e nocivas (“Garota Interrompida”); e o tema de “Um Estranho No Ninho”, a difícil relação dos pacientes (aqui, jovens) e suas figuras de autoridade (adultos), os enfermeiros, médicos e, em última instância, os pais.
Belíssimo trabalho.

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