O ator Matheus Nachtergaele (interpretando João
Grilo com um brilhantismo singular) rouba todas as cenas nesta maravilhosa
adaptação da peça de Ariano Suassuna.
Ainda no final da década de 1990, foi idéia do
diretor Guel Arraes realizar uma minissérie filmada em 35 milímetros que
depois, submetida a uma montagem mais criteriosa, se convertesse em filme a ser
lançado nos cinemas –dando origem à uma tática que depois tornou-se moda.
João Grilo, um típico retirante do Nordeste,
vive de pequenos bicos em serviços ordinários que arruma no pequeno vilarejo do
sertão em que vive, junto de seu inseparável companheiro Chico (Selton Mello,
também ele inspiradíssimo).
O quê se prova atípico em João Grilo, porém, é
seu faro acentuado para oportunidades –que, na verve graciosa, esperta e
regional de Ariano Suassuna (preservada em toda sua pluralidade verbal) se
desdobra em seqüências memoráveis: De língua ferina, João Grilo por vezes
vale-se de sua lábia afiada para ludibriar e tirar certo proveito dos
personagens ao seu redor, como o dono de mercearia (seu empregador, na maioria
das vezes), e sua esposa infiel (vividos por Diogo Vilela e Denise Fraga); ou o
perplexo padre da paróquia (o saudoso Rogério Cardoso), e seu ambicioso
superior, o cardeal (Lima Duarte). As peripécias de João Grilo chegam ao limite
quando ele se cruza com um ensandecido cangaceiro (Marco Nanini), o que leva
João Grilo, junto de outros, para uma aventura além-morte, onde encontrarão Cristo
(personificado –para efeitos de reflexão –pelo ator negro Maurício Gonçalves) e
o Diabo (um pernicioso e rabugento Luis Melo).
A salvação de João Grilo se encontra, contudo,
na imensa confiança e fé que ele deposita em Nossa Senhora, a Compadecida (a quem
toda a importância moral e o peso simbólico, a esplêndida presença de Fernanda
Montenegro faz o mais absoluto jus).
Um trabalho admiravelmente cinematográfico
–apesar das consideráveis origens televisivas do projeto –cujo teor se revelou
tão incrivelmente brasileiro que sua linguagem sequer foi assimilada no
restante do mundo para que fosse compreendido e indicado à prêmios (como o
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro) como era do seu merecimento.
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