segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Um Homem Só

Por meio das cenas que abrem o trabalho da diretora e também roteirista Claudia Jouvin somos testemunhas das circunstâncias miseráveis e comiserativas da vida de Arnaldo (o sempre ótimo Vladimir Brichta). Casado com uma mulher que já nem tem mais certeza se um dia amou (Ingrid Guimarães, provando versatilidade num papel dramático) e amargando um emprego num escritório que exala mediocridade, Arnaldo vive uma deprimente rotina de classe média baixa cujas agruras ele só tem o melhor amigo Mascarenhas (Otávio Muller) para dividir.
Não é, portanto, à toa que ele se agarra à primeira oportunidade de mudar, ainda que de maneira bem mirabolante: ele houve à boca pequena, sussurrado no banheiro, uma história sobre uma clínica que produz cópias das outras pessoas (!). Uma duplicata para colocar em seu lugar e viver sua vida insatisfatória, enquanto o original aprovieta para cair no mundo e recomeçar.
Talvez inspirado por ter conhecido a encantadora e impulsiva Josie (Mariana Ximenes, de “O Invasor”) numa visita à um cemitério de animais (!), Arnaldo acaba encontrando a tal clínica e resolve se submeter ao procedimento.
Na hora H, contudo, se arrepende. Ele foge de lá correndo.
Para sua surpresa, porém, há realmente um outro Arnaldo morando com sua esposa quando ele volta para o apartamento.
O que significa que a cópia encomendada foi feita. Ou será ele próprio a cópia?
Num espirituoso esforço de encaixar uma premissa fantástica e absurda dentro do contexto brasileiro e nas circunstâncias técnicas e artísticas do cinema nacional, a diretora Claudia Jouvin faz uma variação particular do mito do duplo (ou Dölppenganger) tão caro à literatura de Dostoyevski ou à ácida filmografia do grande Andrzej Zulawski.
Aqui, Jouvin parece privilegiar menos os desdobramentos da trama (sequer há muito interesse na manutenção de algum mistério sobre quem é de fato a cópia, nem tampouco em surpresas no roteiro) e mais o clima (a trilha sonora, de Plínio Profeta, trabalha com canções e composições de efeito etéreo junto à narrativa).
Isso rende um filme simpático de atmosfera e visual de fábula, ocasionalmente esmagado por um estranho senso de fatalismo que torna pedante algumas de suas soluções.
Entretanto, no cômputo geral, é aquela produção na qual os acertos compensam largamente os erros.

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