segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Kill The Messenger

Um grande filme investigativo agraciado com uma belíssima interpretação de Jeremy Renner, este “Kill The Messenger” –genericamente traduzido como “O Mensageiro” em português –une as orientações cinematográficas que definem grandes obras do sub-gênero como o clássico “Todos Os Homens do Presidente” e o premiado “Spotlight-Segredos Revelados” a um senso de denúncia que por vezes acaba rondando circunstâncias bem reais, mas que por seu teor mirabolante e absurdo soam inacreditáveis. Nesse sentido, o trabalho do diretor Michael Cuesta se aproxima da comédia de aventura “Feito Na América”, com Tom Cruise, todavia, se aquele era um trabalho que descontraía o expectador fazendo-o divertir-se com as guinadas tortuosas de sua premissa, também baseada num fato real, aqui, a condução metódica e austera de Cuesta impõe uma densa e adulta seriedade.
Está em pauta a lógica jornalística que foi torcida diante das circunstâncias.
Jeremy Renner vive Gary Webb, repórter do jornal regional San Jose Mercury News. Na busca por uma história bombástica e na proximidade intuitiva com alguns traficantes, ele acaba conhecendo Coral Baca (a absolutamente deliciosa Paz Vega), esposa de um traficante condenado disposta a entregar a Webb um documento que veio parar por acidente em suas mãos: Um protocolo rasurado e confidencial sobre Danilo Blandon (Yul Vazquez), um agente da CIA –talvez, um informante, talvez, um infiltrado –que tinha conexões com traficantes em todo solo americano.
Até aí nada demais. Contudo, ao aprofundar suas investigações, Webb descobre que Danilo Blandon, na qualidade de agente duplo a serviço da CIA, era mais que um mero espião entre os traficantes: Ele era um dos maiores e mais expressivos fornecedores de drogas dos EUA!
Tudo leva à constatação, mais tarde corroborada por outras fontes de Webb, de que o governo dos EUA contribuiu para a circulação de drogas ilegais em certos guetos americanos desde que o dinheiro ilicitamente obtido por esse tráfico financiasse uma guerrilha destinada a provocar uma revolução na Nicarágua, ditando os rumos políticos daquele país.
Sem intimidar-se com as advertências que as fontes encontradas lhe dão (ao mesmo tempo que confirmam, extraoficialmente toda essa verdade), Webb segue em frente e escreve uma matéria que coloca o pequeno San Jose Mercury News no radar de gigantes da mídia jornalística como o Washington Post e outros.
Contudo, os grandes jornais –e, portanto, os jornalistas profissionais neles inseridos –têm ligações com a CIA e, por conta delas, sua postura é defensiva para com os orgãos do governo: Na sequência às revelações, eles procuram invalidar a descoberta de Webb e, aos poucos, em função das próprias convicções, passam a atacá-lo e desacreditá-lo.
A pressão é tamanha que se estende até os profissionais que trabalhavam com Webb, sua editora Anna Simmons (Mary Elizabeth Winstead) e o dono do jornal Jerry Ceppos (Oliver Platt); ambos intimidados e pressionados pela postura antagônica dos veículos de mídia maiores acabam por negligenciar o empenho de Webb em perseguir a verdade, afastando-o da execução do jornalismo.
Esta é, pois, uma trama sobre um “Davi contra Golias” onde os desdobramentos não obedecem sobremaneira as expectativas do público, tão acostumado a ver a verdade prevalecer, sobretudo, em âmbitos americanos nos quais essa máxima é tão defendida.
Mais do que expor uma verdade desconcertante acerca de atividades obscuras e duvidosas do governo americano, o filme coloca o íntegro e transparente Gary Webb na angustiante posição de um mártir terminando por apontar os lapsos morais quando outros profissionais da área do jornalismo priorizam fatores secundários (e de interesse pessoal) em detrimento da verdade.

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