Na cerimônia do Oscar 2020, “Adoráveis
Mulheres” fez uma bela campanha levando o Oscar de Melhor Figurino; e na
categoria principal, lá estava ele também disputando o prêmio dentre suas seis
(e merecidíssimas) indicações.
Inspirado no clássico romance de Louisa May
Alcott, o filme escrito e dirigido por Greta Gerwig é a oitava (!) adaptação
cinematográfica do livro para cinema –a mais recente havia sido lançada em
1994, pela diretora Gillian Armstrong, com Winona Ryder –e Greta, seja no
roteiro, seja na direção, constrói seu filme plenamente conciente de que cada
expectador que assistir sua obra já deve ter visto pelo menos uma das versões
anteriores: Ela modifica a trama e suas circunstâncias, senão na essência, ao
menos no formato, alterando a ordem cronológica, recriando cenas, remodelando o
convencionalismo da narrativa e, no seu audacioso final, acrescentando um
elemento ambíguo de metalinguagem.
Tudo isso, confere um frescor à “Adoráveis
Mulheres” que certamente poucos presumiram que ele viesse a ter: Depois que a
(ótima) atriz Greta Gerwig decidiu arriscar-se atrás das câmeras dirigindo o
brilhante “Lady Bird”, obtendo espetacular êxito de público e crítica, o seu
projeto seguinte –a adaptação do famoso romance de Alcott –parecia um passo
ambicioso, o tipo de trabalho no qual um artista se arrisca a um épico tropeço
após um fenomenal acerto.
É maravilhoso ver o quanto os pessimistas se
enganaram: “Adoráveis Mulheres” de Greta salta com graça e sofisticação à
frente de todas as demais versões (até mesmo as clássicas!) como a melhor, mais
emotiva e arrebatadora transposição de Alcott feita para as telas.
Em grande parte, graças à sensibilidade de
Greta Gerwig que compreende as alegrias e angústias de suas numerosas
personagens, a emoção estrutural embutida em cada arco dramático da narrativa
e, talvez –na qualidade, ela própria, de roteirista –as predisposições
emocionais da própria Louisa May Alcott.
Provavelmente a mais completa atriz de sua
geração, a jovem Saoirse Ronan interpreta a heroína Jo March; e na cena que
abre o filme –Jo, aspirante à escritora, submetendo seus manuscritos à
insensibilidade de um editor antiquado e inepto –já deixa claro alguns dos
tópicos inesperados, acerca do empuxo criativo que espelha a protagonista e sua
autora, dos quais ela quer tratar.
Jo vive à duras penas na Nova York dos anos
1860. Mora numa pensão. Tenta vender os contos literários que produz e
encontrar um lugar ao sol como escritora. Mas, a vida para uma mulher de planos
independentes em meados do Século XIX não é fácil.
Alternadamente à essa aspereza da realidade
–registrada na belíssima fotografia em tons azuis –o filme regressa sete anos
no tempo, mostrando quando Jo e suas irmãs viviam junto de sua mãe (Laura
Dern), na humilde, porém, amorosa casa da família, tentando suportar a ausência
do pai (Bob Odenkirk) que foi lutar na Guerra Civil –nesse período de tempo,
por sua vez, as imagens surgem em tom amarelo pastel.
Cada uma das irmãs March tinha uma
personalidade distinta: Além de Jo, havia a artista Amy (Florence Pugh, dando
fascínio insuspeito a uma personagem normalmente irritante); a boa moça Meg
(Emma Watson); e a adoecida Beth (Eliza Scanlen).
E cada uma experimenta também diferentes
aspectos nos dois pólos de tempo, separados por sete anos, dos quais a
narrativa se incumbe: Amy, antes à sombra de Jo, com quem vivia às turras,
agora está na Europa com a rabugenta Tia March (Meryl Streep), e enquanto tenta
fisgar um marido rico, se descobre atraída pelo amigo da família Laurie (o
ótimo Timothée Chamalet), outrora apaixonado por Jo; Meg, cujo temperamento
equilibrava as inconstâncias de humores das outras irmãs se vê, depois, em um
casamento cheio de amor, mas assolado pelas provações da pobreza; e, por fim,
Beth tem um novo surto de escarlatina (um outro já havia acometido anos antes),
o que obriga Jo à deixar Nova York e voltar para o município de Concord, no
estado de Massachussets, para cuidar dela –bem quando Jo, tão desprendida para
os assuntos românticos, começava a descobrir, no imigrante Friedrich (Louis
Garrell), um possível interesse amoroso.
Indo e vindo no tempo –formato inédito dado à
trama –o filme de Greta Gerwig reestrutura com inteligência sua tão famosa
história estabelecendo rimas poéticas entre o antes e o depois, sublinhando
novas emoções àquelas já conhecidas e dando à tudo um ar renovado e vibrante:
se “Lady Bird” foi uma prova de seu talento, “Adoráveis Mulheres” é a
comprovação de uma competência inquestionável (tamanho é seu brilhantismo que
sequer Meryl Streep, habituada a roubar cenas, consegue fazê-lo, tal é o nível
altíssimo mantido por todo o elenco); a diretora consegue obter o mesmo efeito
do livro no qual nos descobrimos profundamente afeiçoados às suas personagens
depois de um tempo.
Sua grande contribuição à essa obra magnífica
talvez seja mesmo o final, um interessante jogo de narrativa dúbia e
ambiguidade ficcional, onde Greta Gerwig discute as razões mercadológicas de um
final feliz –ou romanticamente satisfatório –no que diz respeito à sua
protagonista.
Podem até haverem novas
versões de “Adoráveis Mulheres” em algum momento no futuro; mas, será um
tremendo desafio superar o primor e as emoções irreprimíveis dessa daqui.
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