segunda-feira, 1 de junho de 2020

Adoráveis Mulheres

Na cerimônia do Oscar 2020, “Adoráveis Mulheres” fez uma bela campanha levando o Oscar de Melhor Figurino; e na categoria principal, lá estava ele também disputando o prêmio dentre suas seis (e merecidíssimas) indicações.
Inspirado no clássico romance de Louisa May Alcott, o filme escrito e dirigido por Greta Gerwig é a oitava (!) adaptação cinematográfica do livro para cinema –a mais recente havia sido lançada em 1994, pela diretora Gillian Armstrong, com Winona Ryder –e Greta, seja no roteiro, seja na direção, constrói seu filme plenamente conciente de que cada expectador que assistir sua obra já deve ter visto pelo menos uma das versões anteriores: Ela modifica a trama e suas circunstâncias, senão na essência, ao menos no formato, alterando a ordem cronológica, recriando cenas, remodelando o convencionalismo da narrativa e, no seu audacioso final, acrescentando um elemento ambíguo de metalinguagem.
Tudo isso, confere um frescor à “Adoráveis Mulheres” que certamente poucos presumiram que ele viesse a ter: Depois que a (ótima) atriz Greta Gerwig decidiu arriscar-se atrás das câmeras dirigindo o brilhante “Lady Bird”, obtendo espetacular êxito de público e crítica, o seu projeto seguinte –a adaptação do famoso romance de Alcott –parecia um passo ambicioso, o tipo de trabalho no qual um artista se arrisca a um épico tropeço após um fenomenal acerto.
É maravilhoso ver o quanto os pessimistas se enganaram: “Adoráveis Mulheres” de Greta salta com graça e sofisticação à frente de todas as demais versões (até mesmo as clássicas!) como a melhor, mais emotiva e arrebatadora transposição de Alcott feita para as telas.
Em grande parte, graças à sensibilidade de Greta Gerwig que compreende as alegrias e angústias de suas numerosas personagens, a emoção estrutural embutida em cada arco dramático da narrativa e, talvez –na qualidade, ela própria, de roteirista –as predisposições emocionais da própria Louisa May Alcott.
Provavelmente a mais completa atriz de sua geração, a jovem Saoirse Ronan interpreta a heroína Jo March; e na cena que abre o filme –Jo, aspirante à escritora, submetendo seus manuscritos à insensibilidade de um editor antiquado e inepto –já deixa claro alguns dos tópicos inesperados, acerca do empuxo criativo que espelha a protagonista e sua autora, dos quais ela quer tratar.
Jo vive à duras penas na Nova York dos anos 1860. Mora numa pensão. Tenta vender os contos literários que produz e encontrar um lugar ao sol como escritora. Mas, a vida para uma mulher de planos independentes em meados do Século XIX não é fácil.
Alternadamente à essa aspereza da realidade –registrada na belíssima fotografia em tons azuis –o filme regressa sete anos no tempo, mostrando quando Jo e suas irmãs viviam junto de sua mãe (Laura Dern), na humilde, porém, amorosa casa da família, tentando suportar a ausência do pai (Bob Odenkirk) que foi lutar na Guerra Civil –nesse período de tempo, por sua vez, as imagens surgem em tom amarelo pastel.
Cada uma das irmãs March tinha uma personalidade distinta: Além de Jo, havia a artista Amy (Florence Pugh, dando fascínio insuspeito a uma personagem normalmente irritante); a boa moça Meg (Emma Watson); e a adoecida Beth (Eliza Scanlen).
E cada uma experimenta também diferentes aspectos nos dois pólos de tempo, separados por sete anos, dos quais a narrativa se incumbe: Amy, antes à sombra de Jo, com quem vivia às turras, agora está na Europa com a rabugenta Tia March (Meryl Streep), e enquanto tenta fisgar um marido rico, se descobre atraída pelo amigo da família Laurie (o ótimo Timothée Chamalet), outrora apaixonado por Jo; Meg, cujo temperamento equilibrava as inconstâncias de humores das outras irmãs se vê, depois, em um casamento cheio de amor, mas assolado pelas provações da pobreza; e, por fim, Beth tem um novo surto de escarlatina (um outro já havia acometido anos antes), o que obriga Jo à deixar Nova York e voltar para o município de Concord, no estado de Massachussets, para cuidar dela –bem quando Jo, tão desprendida para os assuntos românticos, começava a descobrir, no imigrante Friedrich (Louis Garrell), um possível interesse amoroso.
Indo e vindo no tempo –formato inédito dado à trama –o filme de Greta Gerwig reestrutura com inteligência sua tão famosa história estabelecendo rimas poéticas entre o antes e o depois, sublinhando novas emoções àquelas já conhecidas e dando à tudo um ar renovado e vibrante: se “Lady Bird” foi uma prova de seu talento, “Adoráveis Mulheres” é a comprovação de uma competência inquestionável (tamanho é seu brilhantismo que sequer Meryl Streep, habituada a roubar cenas, consegue fazê-lo, tal é o nível altíssimo mantido por todo o elenco); a diretora consegue obter o mesmo efeito do livro no qual nos descobrimos profundamente afeiçoados às suas personagens depois de um tempo.
Sua grande contribuição à essa obra magnífica talvez seja mesmo o final, um interessante jogo de narrativa dúbia e ambiguidade ficcional, onde Greta Gerwig discute as razões mercadológicas de um final feliz –ou romanticamente satisfatório –no que diz respeito à sua protagonista.
Podem até haverem novas versões de “Adoráveis Mulheres” em algum momento no futuro; mas, será um tremendo desafio superar o primor e as emoções irreprimíveis dessa daqui.

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