domingo, 31 de maio de 2020

Cubo

Realizado nos anos 1990, o canadense “Cubo”, do diretor Vincenzo Natali, é uma experiência poderosa na forma árida com que se apresenta ao expectador.
São cinco personagens, diferentes entre si, suas memórias apagadas, o quê torna o fato de acordarem num lugar desconhecido um mistério tanto para eles quanto para o expectador.
O lugar em questão é uma sala de dimensões e ângulos exatamente idênticos: Um cubo.
Suas quatro paredes têm janelas centrais e elas conduzem à outros cubos. Subentende-se que em algum momento, eles deverão achar a saída.
Mas, aí vem a jogada: Algumas salas guardam armadilhas mortais, outras, não.
Cabe a esses desconhecidos, como um grupo, unir suas diferentes aptidões para conseguirem escapar desse lugar com vida. Contudo, mais do que as armadilhas –algumas elaboradas com perversidade mirabolante –o grande perigo reside na incapacidade de compatibilidade entre alguns deles.
Há, por exemplo, o demasiado focado e compenetrado Quentin (Maurice Dean Wint), um policial –ao menos, assim ele se identifica –desesperado por escapar com vida do cubo e rever os filhos; o inicialmente arrogante e cético Worth (David Hewlett, de “A Forma da Água”) que não se importar com a própria vida nem com a dos companheiros: a médica Holloway (Nicky Guadagni, de “Crash-Estranhos Prazeres”); a jovem estudante de matemática Leaven (Nicole DeBoer); e o ex-presidiário especialista em fugas Renn (Wayne Robson).
Um grupo heterogêneo que, em princípio, funciona de forma claudicante em equipe –Worth é apático, Quentin, violento, e Leaven, perplexa –no entanto, detalhes começam a chamar a atenção quando o desespero começa a se afunilar: Como a razão pela qual os pertences de todos foram removidos, exceto os óculos de Leaven.
Parece haver um propósito naquela reunião de tipos distintos que reside numa especialidade de cada um deles –inclusive na de Kazan (Andrew Miller, de “Super 8”), um deficiente mental que, mais tarde, se junta ao grupo –embora, nos rumos tomados pelo roteiro, esse objetivo fique deliberadamente sem respaldo ou explicação.
Falha da produção ou intenção da narrativa? Difícil dizer.
O que se percebe, é que Leaven consegue decifrar, até certo ponto, as numerações que aparecem em cada entrada para uma nova sala. E essas numerações não só indicam se o local é seguro ou não, mas podem apontar também a direção da saída.
Estruturando o suspense com teatralidade notável, e tirando o máximo de esforço de seu elenco, o diretor Vincenzo Natali molda um filme admirável na sua restrição ambiental, mas precisamente enxuto na atmosfera aflitiva que se propõe a envolver o expectador. E nisso, ele faz uso inteligente não somente dos recursos técnicos disponíveis –do início ao fim, espartanos –mas, sobretudo, do manejo hábil das dinâmicas entre seus limitados protagonistas: Quentin é o barril de pólvora prestes a explodir, enquanto que Holloway, na sua postura abertamente liberal é seu estopim; Worth tem um interessante arco de mudança ao longo da trama –do desinteresse à empatia –enquanto Leaven se sai bem em personificar a mocinha pela qual torcemos.
Além de acirrar constantemente os nervos com mudanças sucintas nessas dinâmicas, o diretor se basta dentro da fábula claustrofóbica que deseja contar, sem intoxicar seu filme com pretensões desnecessárias. Esse acerto de tom e de forma logo converteu “Cubo” num dos mais cultuados exemplares de suspense e ficção científica do final da década de 1990, fazendo dele uma referência para inúmeras produções cuja premissa gira em torno de personagens confinados num lugar mirabolante e ameaçador, influenciando obras até os dias de hoje –como o blockbuster “Escape Room”, ou o cult espanhol “O Poço” –e gerando uma franquia que rendeu uma continuação (“Cubo 2-Hipercubo”) e uma prequel (“Cubo Zero”), todas consideravelmente pálidas diante do ótimo trabalho original.

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