Um filme de David Cronenberg costuma ser
inconfundível.
Tomemos “Crash-Estranhos Prazeres” como
exemplo: Lá estão os corpos humanos deformados por ocorrências ambientes e que
parecem exercer um certo fetiche ao olhar da câmera; está também a narrativa
cadenciada, pautada pelos enquadramentos distanciados e frios que criam um
clima quase atemporal; e a profunda análise das aptidões fisiológicas do ser
humano, definidas, em grande parte pela própria perversão que jaz em sua
psique.
Na trama, um indivíduo em princípio comum e
urbano (James Spader), sofre um acidente de carro que lhe estraçalha a perna.
Já no hospital, ele toma contato com um médico (Elias Koteas) profundamente
interessado (fascinado até) com as suas sequelas físicas do acidente, e se
torna amante da mulher (Holly Hunter) sobrevivente do outro carro (cujo marido
morreu no acidente) a despeito do vida sexual ativa que leva com sua própria
mulher (a sensual Deborah Kara Unger).
Logo, essa obsessão por catástrofes
automobilísticas, surgida após a experiência do acidente, irá se manifestar
numa procura por grupos obscuros (dos quais o médico faz parte) que reproduzem
acidentes de carro reais como combustível de seu fascínio.
Cronenberg registra as nuances desses
comportamentos com estilizado simbolismo, como lhe é inerente como realizador,
impondo inclusive, a trilha sonora de Howard Shore como uma recordação
vivaz dos elementos que nunca escapam ao trauma dos acidentados: os sons
que remetem às colisões de carro. Embora seja sempre óbvio que não interessa a
Cronenberg explorar o drama humano de uma tragédia: Seu real interesse parece
estar na gênese da sexualidade distorcida que nasce a partir disso, e passa a
definir seus personagens desde então, mesmo aqueles que foram atingidos apenas
indiretamente pelo exaspero da experiência, como a esposa interpretada por
Deborah.
"Crash" é,
portanto, um dos grandes exercícios de estilo que Cronenberg entregou nos anos
1990, uma obra nascida de uma inqueitação profunda, e de uma visão no mínimo
singular da condição humana.
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