Em meados de 1999, quando o cinema
norte-americano foi chacoalhado por uma sucessão de trabalhos autorais de
grandes talentos que se revelavam, como Spike Jonze (“Quero Ser John Malkovich”),
os Irmãos –agora irmãs –Wachowski (“Matrix”) ou Wes Anderson (“Três É Demais”),
uma das mais bombásticas revelações atendia pelo difícil nome de M. Night
Shyamalan, e seu filme, sem sombra de dúvidas, um dos mais comentados do ano,
era o surpreendente “O Sexto Sentido” com sua já lendária reviravolta final.
O próprio Shyamalan, para o bem e para o mal,
fez uma carreira de sucesso empregando com algumas variações a fórmula que ele
descobriu aqui –virando inclusive uma caricatura de si mesmo perante a
indústria com a insistência em usar finais inesperados.
No entanto, quando ele lançou “O Sexto Sentido”
houve um abalo sísmico na indústria cinematográfica, por uma série de razões.
A trama inicia-se na Philadelphia (palco de
quase todas as histórias de Shyamalan) com o psiquiatra infantil Malcolm Crowe
(Bruce Willis, um dos atores prediletos do diretor) numa noite em que terá seus
esforços reconhecidos com um prêmio como bem observa sua esposa Anna (Olívia
Williams, que também estava em “Três É Demais”).
As inclinações dramáticas de Shyamalan logo
surgem quando aparece em cena um ex-paciente de Malcolm (vivido por Donnie
Whalberg, irmão de Mark), perturbado e suicida.
Sem delongas e dando apenas as informações
necessárias ao expectador para seguir com a história em frente, Shyamalan
avança um ano no tempo. Após sofrerem o atentado, o casamento de Malcolm e Anna
passa por uma súbita crise, e ele acaba conhecendo um garotinho chamado Cole (o
pequeno e espantoso Haley Joel Osment, certamente grande responsável pelo
imenso sucesso deste filme).
Tão protagonista quanto Malcolm, Cole tem problemas
muito similares aos do antigo paciente que se matou: O convívio social com as
outras crianças –e até mesmo com alguns adultos –a despeito de ser muito
inteligente, é doloroso e relutante. A angústia que ele ostenta é
freqüentemente injustificável e seu comportamento o leva violentamente rumo à
alienação.
Para Malcolm, ajudá-lo seria, portanto, como
redimir-se pelo outro jovem com o qual fracassou.
Para Cole ele é, aos poucos, a única pessoa que
realmente é capaz de ouvir sua confidência e entender o terrível segredo que
carrega –que ele, Cole, tem visões assustadoras, que logo descobriremos, é
resultado de um dom que permite a ele enxergar os mortos (e nas cenas
apavorantes que se seguem, absurdamente bem orquestradas, envolvendo essas
aparições o diretor Shyamalan chega a ombrear Kubrick, em “O Iluminado” ou
Polanski, em “O Bebê de Rosemary” na concepção de alguns dos mais antológicos e
intensos momentos na história do gênero de terror).
Aliás, uma das mais notáveis conseqüências do
sucesso de “O Sexto Sentido” foi o retorno à pauta do cinema comercial de
premissas e idéias que devolviam o medo de verdade ao gênero do terror que
vinha de uma década de 1990 praticamente dominada por filmes adolescentes na
esteira de “Pânico”, de Wes Craven, e outras tolices. Com uma mistura adulta,
refinada e competente de dramaturgia bem executada e terror psicológico com
bases plausíveis e sensatas Shyamalan mostrou à indústria que o público poderia
assimilar filmes que não tivessem apelo exclusivamente juvenil.
Mais que isso: Que poderia haver vida
inteligente num sucesso de bilheteria. O público certamente não estava
preparado para o fato de que, em direção a um final quase ameno e tranqüilo e na
busca por tentar conviver com o incrível dom do menino, os dois, o jovem paciente
Cole e seu psiquiatra Malcolm, caminhavam para um desfecho surpreendente.
Durante muito tempo, os expectadores saiam
chocados das salas de cinema, falando a respeito da forma quase inovadora com
que seu final sutilmente conseguia transformar todo o filme que havia vindo
antes dele.
Entre muitas, essa certamente foi uma sacada de
gênio.
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