terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O Sexto Sentido

Em meados de 1999, quando o cinema norte-americano foi chacoalhado por uma sucessão de trabalhos autorais de grandes talentos que se revelavam, como Spike Jonze (“Quero Ser John Malkovich”), os Irmãos –agora irmãs –Wachowski (“Matrix”) ou Wes Anderson (“Três É Demais”), uma das mais bombásticas revelações atendia pelo difícil nome de M. Night Shyamalan, e seu filme, sem sombra de dúvidas, um dos mais comentados do ano, era o surpreendente “O Sexto Sentido” com sua já lendária reviravolta final.
O próprio Shyamalan, para o bem e para o mal, fez uma carreira de sucesso empregando com algumas variações a fórmula que ele descobriu aqui –virando inclusive uma caricatura de si mesmo perante a indústria com a insistência em usar finais inesperados.
No entanto, quando ele lançou “O Sexto Sentido” houve um abalo sísmico na indústria cinematográfica, por uma série de razões.
A trama inicia-se na Philadelphia (palco de quase todas as histórias de Shyamalan) com o psiquiatra infantil Malcolm Crowe (Bruce Willis, um dos atores prediletos do diretor) numa noite em que terá seus esforços reconhecidos com um prêmio como bem observa sua esposa Anna (Olívia Williams, que também estava em “Três É Demais”).
As inclinações dramáticas de Shyamalan logo surgem quando aparece em cena um ex-paciente de Malcolm (vivido por Donnie Whalberg, irmão de Mark), perturbado e suicida.
Sem delongas e dando apenas as informações necessárias ao expectador para seguir com a história em frente, Shyamalan avança um ano no tempo. Após sofrerem o atentado, o casamento de Malcolm e Anna passa por uma súbita crise, e ele acaba conhecendo um garotinho chamado Cole (o pequeno e espantoso Haley Joel Osment, certamente grande responsável pelo imenso sucesso deste filme).
Tão protagonista quanto Malcolm, Cole tem problemas muito similares aos do antigo paciente que se matou: O convívio social com as outras crianças –e até mesmo com alguns adultos –a despeito de ser muito inteligente, é doloroso e relutante. A angústia que ele ostenta é freqüentemente injustificável e seu comportamento o leva violentamente rumo à alienação.
Para Malcolm, ajudá-lo seria, portanto, como redimir-se pelo outro jovem com o qual fracassou.
Para Cole ele é, aos poucos, a única pessoa que realmente é capaz de ouvir sua confidência e entender o terrível segredo que carrega –que ele, Cole, tem visões assustadoras, que logo descobriremos, é resultado de um dom que permite a ele enxergar os mortos (e nas cenas apavorantes que se seguem, absurdamente bem orquestradas, envolvendo essas aparições o diretor Shyamalan chega a ombrear Kubrick, em “O Iluminado” ou Polanski, em “O Bebê de Rosemary” na concepção de alguns dos mais antológicos e intensos momentos na história do gênero de terror).
Aliás, uma das mais notáveis conseqüências do sucesso de “O Sexto Sentido” foi o retorno à pauta do cinema comercial de premissas e idéias que devolviam o medo de verdade ao gênero do terror que vinha de uma década de 1990 praticamente dominada por filmes adolescentes na esteira de “Pânico”, de Wes Craven, e outras tolices. Com uma mistura adulta, refinada e competente de dramaturgia bem executada e terror psicológico com bases plausíveis e sensatas Shyamalan mostrou à indústria que o público poderia assimilar filmes que não tivessem apelo exclusivamente juvenil.
Mais que isso: Que poderia haver vida inteligente num sucesso de bilheteria. O público certamente não estava preparado para o fato de que, em direção a um final quase ameno e tranqüilo e na busca por tentar conviver com o incrível dom do menino, os dois, o jovem paciente Cole e seu psiquiatra Malcolm, caminhavam para um desfecho surpreendente.
Durante muito tempo, os expectadores saiam chocados das salas de cinema, falando a respeito da forma quase inovadora com que seu final sutilmente conseguia transformar todo o filme que havia vindo antes dele.
Entre muitas, essa certamente foi uma sacada de gênio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário