quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Assassinato No Expresso Oriente

A escritora Agatha Christie viveu para conferir a primeira adaptação de um de seus mais famosos livros, lançada em 1974. Sua primeira observação acerca do material? O bigode de Albert Finney, no papel do famoso detetive Hercule Poirot, que não correspondia à peculiar descrição do livro.
Além desse detalhe, nada determinante para o resultado final enquanto filme, a atuação calculada e minimalista de Albert Finney, bastante atenta a um excesso de trejeitos e inflexões vocais, parece ser, em princípio, mais a de um coadjuvante bem elaborado que de um protagonista proeminente –problema que poderia se tornar nítido num elenco que conta com participações cheias de magnetismo e autoridade como Sean Connery e Michael York (de “Cabaret”) –contudo, o personagem de Poirot, como um bom vinho, é servido ao expectador em pequenas doses: No início, ele passa exatamente essa impressão, a de ser mais um espécime naquela fauna distinta, meticulosa e melindrosa elabora pela escritora. Aos poucos, porém, a astuta composição de Finney começa a se destacar em meio a tantos notáveis coadjuvantes –e os monólogos que o ator tira de letra são sensacionais contribuições para isso –impondo-se como uma das grandes atuações do filme (e ele tem várias).
O elenco, por sinal, reunido pelo diretor Sidney Lumet é um dos atrativos do filme –e no modo como a trama se construía, cheia de pormenores coletivos, essa era também uma oportunidade que um diretor com perspicácia dificilmente deixaria passar: No início da década de 1930, em Istambul, um grupo eclético e diverso de passageiros toma o trem do chamado Expresso Oriente com destino à Europa, inclusive o renomado inspetor belga Hercule Poirot, em regresso de um serviço prestado às autoridades policiais daquele país, e que, na qualidade de amigo pessoal o chefe da linha ferroviária (Martin Balsam), consegue um ingresso ao expresso, que se encontra lotado.
Lá há de tudo um pouco: O casal formado pelo garboso e arrogante cavalheiro inglês (Connery) e a charmosa e formidável aristocrata britânica (Vanesse Redgrave); a autoritária e petulante senhora da alta sociedade (Lauren Bacall) a sempre lembrar para todos os dois ex-maridos que tivera; a errádica e suspeita missionária, passageira de classe média (Ingrid Bergman, já passada do auge, porém, vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante); a dama inglesa de sangue azul e nobreza a toda prova (Wendy Hiller); sua empregada pessoal severa a impassível (Rachel Roberts); o casal atraente, evasivo e pouco interativo composto por nobres europeus (York e a belíssima Jacqueline Bisset); o homem de negócios cercado de temores acarretados por sua própria fortuna (Richard Widmark); seu hesitante e sôfrego empregado (Anthony Perkins, de “Psicose”); o mordomo de instruções particulares (John Gielgud), além do empregado a serviço no próprio expresso (Jean Pierre Cassel, um bocado mais jovem do que pedia o personagem), e de um chofer italiano aparentemente alheio a tudo (George Coulouris).
A história vislumbrada por Agatha Christie se inicia de fato quando o tal homem de negócios, Sr. Ratchett, surge morto em seu vagão.
Com o trem praticamente isolado em uma região tomada por neve –e que ainda por cima atrasa o avanço na direção de seu destino –não existem chances do culpado ser outro senão uma das pessoas a bordo. Isso logo aciona os instintos detetivescos de Poirot. Há, afinal, um prazo para se descobrir o assassino: Quando o Expresso Oriente chegar à sua estação, os passageiros seguirão cada um para seu próprio canto, incluindo aí o culpado se ele não for descoberto antes. Ao longo dessa investigação, entretanto, Poirot descobre que o caminho até a elucidação da identidade do assassino não será nada simples: Todos ali têm um segredo a esconder, até mesmo o morto, diretamente envolvido no famoso seqüestro e assassinato do bebê dos Lindbergh, ocorrido a cinco anos atrás –e cujo registro em tom jornalístico abre o filme.
Munido de produção refinada, o diretor Lumet não consegue escapar de algumas expressões teatrais que acometem o filme –inerentes à sua formação e até à proposta da história –mas, obtém um resultado envolvente e interessante, onde explora de modo competente a claustrofobia sugerida pela premissa e enfatizada nos detalhes cenográficos (taças, copos, candelabros e toda sorte de ornamentos cercam os personagens dando a entender que um simples gesto brusco pode derrubar tudo ao chão).

Até mesmo pela qualidade questionável dos demais títulos que o sucederam (incluindo uma espécie de continuação, “Morte Sobre O Rio Nilo”, com Peter Ustinov mostrando-se inadequado como Poirot), “O Assassinato No Expresso Oriente” é tido como uma das melhores adaptações de Agatha Christie para o cinema; agora resta conferir se a nova versão de Kenneth Brannagh lhe faz jus.

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