A escritora Agatha Christie viveu para conferir
a primeira adaptação de um de seus mais famosos livros, lançada em 1974. Sua
primeira observação acerca do material? O bigode de Albert Finney, no papel do
famoso detetive Hercule Poirot, que não correspondia à peculiar descrição do
livro.
Além desse detalhe, nada determinante para o
resultado final enquanto filme, a atuação calculada e minimalista de Albert
Finney, bastante atenta a um excesso de trejeitos e inflexões vocais, parece
ser, em princípio, mais a de um coadjuvante bem elaborado que de um
protagonista proeminente –problema que poderia se tornar nítido num elenco que
conta com participações cheias de magnetismo e autoridade como Sean Connery e
Michael York (de “Cabaret”) –contudo, o personagem de Poirot, como um bom
vinho, é servido ao expectador em pequenas doses: No início, ele passa
exatamente essa impressão, a de ser mais um espécime naquela fauna distinta,
meticulosa e melindrosa elabora pela escritora. Aos poucos, porém, a astuta
composição de Finney começa a se destacar em meio a tantos notáveis
coadjuvantes –e os monólogos que o ator tira de letra são sensacionais
contribuições para isso –impondo-se como uma das grandes atuações do filme (e
ele tem várias).
O elenco, por sinal, reunido pelo diretor
Sidney Lumet é um dos atrativos do filme –e no modo como a trama se construía,
cheia de pormenores coletivos, essa era também uma oportunidade que um diretor
com perspicácia dificilmente deixaria passar: No início da década de 1930, em
Istambul, um grupo eclético e diverso de passageiros toma o trem do chamado
Expresso Oriente com destino à Europa, inclusive o renomado inspetor belga
Hercule Poirot, em regresso de um serviço prestado às autoridades policiais
daquele país, e que, na qualidade de amigo pessoal o chefe da linha ferroviária
(Martin Balsam), consegue um ingresso ao expresso, que se encontra lotado.
Lá há de tudo um pouco: O casal formado pelo
garboso e arrogante cavalheiro inglês (Connery) e a charmosa e formidável
aristocrata britânica (Vanesse Redgrave); a autoritária e petulante senhora da
alta sociedade (Lauren Bacall) a sempre lembrar para todos os dois ex-maridos
que tivera; a errádica e suspeita missionária, passageira de classe média
(Ingrid Bergman, já passada do auge, porém, vencedora do Oscar de Melhor Atriz
Coadjuvante); a dama inglesa de sangue azul e nobreza a toda prova (Wendy
Hiller); sua empregada pessoal severa a impassível (Rachel Roberts); o casal
atraente, evasivo e pouco interativo composto por nobres europeus (York e a
belíssima Jacqueline Bisset); o homem de negócios cercado de temores
acarretados por sua própria fortuna (Richard Widmark); seu hesitante e sôfrego
empregado (Anthony Perkins, de “Psicose”); o mordomo de instruções particulares
(John Gielgud), além do empregado a serviço no próprio expresso (Jean Pierre
Cassel, um bocado mais jovem do que pedia o personagem), e de um chofer
italiano aparentemente alheio a tudo (George Coulouris).
A história vislumbrada por Agatha Christie se
inicia de fato quando o tal homem de negócios, Sr. Ratchett, surge morto em seu
vagão.
Com o trem praticamente isolado em uma região
tomada por neve –e que ainda por cima atrasa o avanço na direção de seu destino
–não existem chances do culpado ser outro senão uma das pessoas a bordo. Isso
logo aciona os instintos detetivescos de Poirot. Há, afinal, um prazo para se
descobrir o assassino: Quando o Expresso Oriente chegar à sua estação, os
passageiros seguirão cada um para seu próprio canto, incluindo aí o culpado se
ele não for descoberto antes. Ao longo dessa investigação, entretanto, Poirot
descobre que o caminho até a elucidação da identidade do assassino não será
nada simples: Todos ali têm um segredo a esconder, até mesmo o morto,
diretamente envolvido no famoso seqüestro e assassinato do bebê dos Lindbergh,
ocorrido a cinco anos atrás –e cujo registro em tom jornalístico abre o filme.
Munido de produção refinada, o diretor Lumet
não consegue escapar de algumas expressões teatrais que acometem o filme
–inerentes à sua formação e até à proposta da história –mas, obtém um resultado
envolvente e interessante, onde explora de modo competente a claustrofobia
sugerida pela premissa e enfatizada nos detalhes cenográficos (taças, copos,
candelabros e toda sorte de ornamentos cercam os personagens dando a entender
que um simples gesto brusco pode derrubar tudo ao chão).
Até mesmo pela qualidade questionável dos
demais títulos que o sucederam (incluindo uma espécie de continuação, “Morte
Sobre O Rio Nilo”, com Peter Ustinov mostrando-se inadequado como Poirot), “O
Assassinato No Expresso Oriente” é tido como uma das melhores adaptações de
Agatha Christie para o cinema; agora resta conferir se a nova versão de Kenneth
Brannagh lhe faz jus.
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