quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Neve Negra

São hábeis as avaliações de tragédias embutidas em dinâmicas singulares no cinema argentino. No filme de Martin Hondara, essa questão já se torna clara em termos visuais antes mesmo de ser esmiuçada em termos dramáticos: O caminho de neve extenso e longínquo mostrado pela direção de fotografia nos confins da Patagônia só pode mesmo ser um depositório de segredos terríveis, tão simbolicamente afastado da civilização ele está.
É para lá que vai Marco (Leonardo Sbaraglia) levando Laura (Laia Costa), a esposa grávida a tiracolo, movido por um motivo não muito nobre, porém, disfarçado de boas intenções.
Lá mora Salvador (Ricardo Darin), seu irmão mais velho que de lá nunca saiu. Com a morte do pai de ambos (um homem extremamente cruel, particularmente com Salvador, como mostram os flashbacks), e com a incapacidade de Sabrina (Dolores Fonzi) a irmã dos dois, internada numa clínica psiquiátrica devido a terríveis surtos psicóticos, é incumbência de Marco honrar o último desejo do falecido: Deixar suas cinzas junto ao túmulo de Juan, o irmão caçula, morto num acidente de caça nebuloso que definiu toda a dolorosa dinâmica entre os membros da família. Entretanto, Marco quer é vender a propriedade e para isso o consentimento do arredio Salvador é fundamental.
Entre várias manobras inspiradas realizadas pelo diretor Hondara está a habilidade com que ele aos poucos transfere o eixo de todo o mistério que cerca a traumática convivência passada dos irmãos da figura intrigante e hostil de Salvador –um trabalho, como sempre, concebido com zelo e propriedade por Darin –para o hesitante Marco –que Sbaraglia interpreta com minúcia brilhantemente estudada.
Conduzindo essa trama de suspense com preciosa noção de ritmo, clima e quebra de expectativas –aspectos essenciais num bom filme oriundo do gênero –o diretor Hondara promove um mergulho nas facetas verdadeiramente sórdidas da alma. E revela, nos inesperados desdobramentos finais, que o mal pode se camuflar e espreitar nas formas mais improváveis, esperando somente a circunstância ideal para mostrar seu lado mais monstruoso.

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