quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Nenhum A Menos

A carreira do ator chinês Zhang Ymou, depois que ele tornou-se diretor, possui duas fases distintas. Uma engloba seus aclamados dramas –estrelados em geral por Gong Li –que datam do fim da década de 1980 até praticamente toda a década de 1990; a outra fase diz respeito à uma espécie de rendição, como artesão, ao espetáculo, primeiro com os épicos de artes marciais “Herói” e “O Clã das Adagas Voadoras”, seguidos pela suntuosidade suprema de “A Maldição da Flor Dourada”, a mais cara superprodução da China.
Entre esses dois extremos, nos primeiros anos da década de 2000, Ymou dedicou-se a alguns notáveis trabalhos de orientação neo-realista. As melhores obras suas desse período são “O Caminho Para Casa” (que revelou a bela Zhang ZiYi) e este “Nenhum A Menos”.
Usando técnicas extremamente próximas às dos artesãos originais do neo-realismo italiano como Vittorio De Sica e seu “Ladrões de Bicicleta” (improvisação, atores amadores, câmera na mão, a autenticidade das ruas captada de maneira documental), Ymou criou uma obra de tintas ainda mais rústicas e naturalistas que seus grandes filmes da década anterior, inclusive com o recurso de batizar seus personagens com o verdadeiro nome de seus intérpretes.
Dessa forma, a menina Wei Minzhi transborda certa espontaneidade de seus catorze anos quando é escolhida como substituta do veterano Professor Gao, obrigado a fazer uma viagem para cuidar da mãe doente. As instruções do veterano são claras: A escola está caindo aos pedaços, a quantia de giz para escrever lições para os alunos e limitada e o pagamento pela árdua tarefa de ensinar é incerto, mas Wei Minzhi, durante a ausência de Gao não deve perder mais alunos.
“Nenhum a menos!” pede ele, como numa súplica.
Despreparada, desmotivada, sem recursos e sem apoio, Wei Minzhi, de início faz o que se espera dela: Age com displicência, fazendo muito mal feito o pouco que lhe foi dito para fazer.
Somente após a leitura do diário de uma das alunas, onde a menina confessa sua tristeza com a indiferença da nova professora (a primeira das muitas cenas emocionantes que virão) é que Wei Minzhi encontrará em si mesma o empuxo para ser a professora que seus alunos precisam.
Ela brigará para impedir, em vão, que o prefeito carregue uma das alunas para outra escola apenas porque ele “sabe correr”. Contudo, o grande desafio será trazer de volta o peralta Zhang Huike quando este é enviado à cidade grande para trabalhar. Aos trancos e barrancos, Wei Minzhi elabora um plano atrapalhado junto com os demais alunos –durante o qual descobrem juntos as aplicações práticas da matemática –até por fim partir a pé para a cidade munida de determinação inabalável (e pouca coisa mais que isso) para trazer o garoto de volta.
Através de cada um desses percalços, o filme de Ymou vai revelando uma beleza e uma poesia genuínas à medida que vai vencendo as resistências do expectador para emocioná-lo sem apelar para sentimentalismos ou soluções fáceis.
A técnica com a qual Ymou molda seu filme é, do início ao fim, um tratado cinematográfico de comprometimento e retidão moral, parcimônia e sensibilidade. 

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