quinta-feira, 24 de maio de 2018

Coisas Belas e Sujas


O diretor Stephen Frears sempre demonstrou particular fascínio por tribos urbanas, seja num registro mais ameno e gentil (caso dos aficcionados por música em “Alta Fidelidade”), seja numa verve inquisitiva e implacável (os bastidores de intrigas palacianas em “Ligações Perigosas” ou o mundo da criminalidade em “Os Imorais”).
A fauna de imigrantes que ele retrata aqui é, como em seus outros trabalhos, das mais interessantes, em parte graças ao excelente roteiro, ao magnífico ator Chiwetel Ejiofor, e a presença da badalada Audrey Tautou, recém-saída de "Fabuloso Destino de Amelie Poulain".
Ele acompanha o dia-a-dia de Okwe (Chiwetel, formidável antes mesmo de “12 Anos de Escravidão”), imigrante nigeriano ilegal na Inglaterra cuja rotina exaustiva e o inumano ritmo de trabalho com dois empregos o impede de ter um horário específico para dormir (ele contorna a letargia ocasional do cansaço com folhas verdes estimulantes que mastiga).
Numa das ocupações, ele é recepcionista noturno num hotel cinco estrelas, na outra, ele roda pelas ruas londrinas como taxista. Tudo para poder sustentar a filhinha que deixara em sua terra natal.
Ele divide seu precário e confinado apartamento (local que visita para troca esparsas de roupa e para guardar seus pertences) com a bela e arredia turca Senay (Tatou, numa personagem mais sombria, mas igualmente apaixonante) com quem parece ter um carinho dos mais relutantes.
A sua comunidade conta com vários intermediários e conhecidos que, como ele, também trabalham nos meandros da sociedade londrina –e há um prazer genuíno na maneira com que o diretor Frears compõe esse intrigante universo cena após cena.
A vida de Okwe se complica quando ele acha um coração humano num dos quartos do hotel. De uma hora para outra, Okwe se vê chantageado, incluído nas nebulosas circunstâncias de uma operação ilegal envolvendo tráfico de órgãos. Nessa complicação também estão envolvidas Senay (que o próprio Okwe conseguiu colocar no hotel como camareira) e uma prostituta; o preço caso consigam escapar ilesos é a legalidade de sua condição na Inglaterra, mas a pior alternativa pode não ser nem a cadeia, mas a provável inclemência dos criminosos.
Amparado num belo roteiro que jamais se acomoda num gênero específico –mas, que passeia com desenvoltura e charme por vários deles –o filme de Frears prende a atenção acima de tudo pela inusitada abordagem de uma série de tópicos reais do submundo, e pelo talento com que tudo é conduzido e realizado.

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