sábado, 12 de novembro de 2022

Pantera Negra - Wakanda Para Sempre


 O processo de dar continuidade a filmes de sucesso é uma fina arte que se exerce ao sabor de muitos acontecimentos da vida real. Quem não lembra do falecimento de Heath Ledger, um ano antes dele tomar o planeta de assalto com sua impecável personificação de Coringa em “O Cavaleiro das Trevas”? Certamente, o capítulo final daquela trilogia de Christopher Nolan viu-se comprometido, em seus planos originais, pela morte do insubstituível intérprete do antagonista principal. É, por assim dizer, com algo um pouco parecido que se depararam os realizadores deste “Wakanda Para Sempre”: Tendo o diretor Ryan Coogler levado seu “Pantera Negra” a tornar-se o primeiro filme de super-heróis a concorrer ao Oscar de Melhor Filme, uma fatalidade mudou os planos gloriosos que ele e a Marvel Studios certamente tinham para a continuação, a morte do protagonista Chadwick Boseman, em 28 de agosto de 2020, vitimado por um câncer.

A decisão da Marvel, guiada por um sentimento de luto que dominou também os fãs pelo mundo todo, foi também matar o personagem que ele interpretava, T’Challa, fazendo com que o legado do herói se encerrasse junto com o grande ator que o interpretava. Embora exalasse respeito, a decisão não deixou de impactar alguns fãs que se opuseram a essa escolha.

Contudo, todos –os que compactuaram com a manobra e os que dela discordaram –tiveram que conferir em “Pantera Negra-Wakanda Para Sempre”, os efeitos dessa decisão e as consequências dela para os coadjuvantes e para todo o Universo Marvel daqui para frente.

Imaginar o que teria sido o filme se Chadwick Boseman tivesse permanecido vivo é um gesto tão doloroso quanto irrelevante, o que importa é a obra plena de emoção e comoção que assim chegou aos cinemas.

É Ryan Coogler, Kevin Feigi e todo o elenco e equipe técnica unidos em preparar a melhor despedida possível para um amigo. É também o filme mais emocionante da Fase 4 da Marvel.

Quando “Wakanda Para Sempre” começa, somos apresentados a uma cena construída com vibração elíptica, onde de pronto, o personagem de T’Challa acaba partindo, por razões que o filme escolhe deixar em aberto. Segue-se um momento fúnebre –já vislumbrado nos trailers da produção –e a energia de luto e de despedida que se levanta a partir dali permeia todo o filme, sendo ocasionalmente atenuada pela urgência da trama que é contada.

Em suas facetas mais práticas, “Wakanda Para Sempre” lida também com a circunstância política acarretada pela decisão tomada ao final do primeiro “Pantera Negra”, no qual a nação africana e ultra-tecnológica de Wakanda revela todos os seus vastos recursos ao mundo. As Nações Unidas, agora, têm um ávido interesse no precioso metal que permite todo esse avanço à Wakanda, a raridade absoluta conhecida como vibranium.

Embora fosse presumido que o vibranium era de exclusividade de Wakanda, algumas pesquisas capitaneadas pelos EUA descobrem que há, sim, vibranium em outra parte do mundo. Mais precisamente nas profundezas do Oceano Atlântico. Entretanto, também lá, o precioso metal tem seus donos: O reino aquático de Talokan, oriundo de uma ancestral cultura asteca, e governado com protecionismo implacável pelo poderoso mutante Namor (Tenoch Huerta, fabuloso no personagem).

Estrategista feroz, Namor procura a rainha Ramonda (Angela Basset, maravilhosa) e Shuri (Letitia Wright), respectivamente, a mãe e a irmã, ainda enlutadas de T’Challa, para pedir-lhes um gesto de boa vontade, da parte de Wakanda, para Talokan: Encontrar e entregar-lhe o gênio responsável pela invenção da prodigiosa máquina que possibilitou aos americanos detectar o vibranium no fundo do mar. No entanto, a decisão não se revela fácil: O gênio em questão é a adolescente Riri Williams (Dominique Thorne, uma excelente aquisição ao Universo Marvel) cuja empatia e inteligência espelha muito as de Tony Stark –o super-herói inaugural desse mesmo universo.

Será esse e outros impasses que colocarão as forças de Talokan em rota de colisão com as de Wakanda, o que faz do filme formidável perpetrado por Ryan Coogler, um épico de guerra, adornado por todo o viés político que as obras mais profundas e circunspectas dessa orientação costumam ter.

É claro que “Wakanda Para Sempre” carrega em si o fardo de ser inúmeras outras coisas também: Um trabalho que resgate aos olhos do público a excelência da Marvel Studios, dispersa em projetos, televisivos e cinematográficos, que, desde o descomunal “Vingadores-Ultimato” não chegaram a empolgar como deveriam; uma profusão habitual de efeitos visuais e ação constante à qual a Marvel já acostumou seus expectadores; uma introdução, fervilhante em representatividade de Namor e toda a mitologia (diferenciada das HQs) que o cerca, na qual o reino submarino de Talokan (diferente da Atlântida vista em “Aquaman”, por exemplo) ganha caracterizações que remetem à cultura mezomericana, numa manobra radical mas, bastante interessante da parte dos realizadores; uma passagem de bastão, do falecido T’Challa para Shuri (a protagonista de fato deste filme); uma cuidadosa preparação para muitos conceitos que haverão de definir o Universo Marvel daqui para frente –com a adição, não só de Namor (aqui contextualizado como um antagonista, mas, perfeitamente capaz de ser um herói extremamente complexo e fascinante em projetos vindouros), como também de Riri Williams (herdeira de Stark e do “Homem de Ferro” cuja série própria, “Ironheart”, já está prevista no Disney Plus) e até da Condessa Valentina Allegra de La Fontaine (a ótima Julia Louis-Dreyfuss), personagem que deve ganhar tremenda importância num futuro próximo –e, acima de tudo, uma homenagem ao legado deixado por Chadwick Boseman.

Na sua tentativa de abraçar tantos objetivos, “Wakanda Para Sempre” naturalmente cede à pressão –até porque não resulta numa obra de cinema tão perfeita quanto a produção anterior –contudo, ao voltar-se, no seu desfecho, aos seus fãs, e ao investimento emocional e incontornável da dor pela partida de seu astro na vida real, o filme entrega um sentimento muito genuíno ao público, elevando sua experiência sensorial para além da adrenalina palpitante de suas cenas de ação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário