O processo de dar continuidade a filmes de sucesso é uma fina arte que se exerce ao sabor de muitos acontecimentos da vida real. Quem não lembra do falecimento de Heath Ledger, um ano antes dele tomar o planeta de assalto com sua impecável personificação de Coringa em “O Cavaleiro das Trevas”? Certamente, o capítulo final daquela trilogia de Christopher Nolan viu-se comprometido, em seus planos originais, pela morte do insubstituível intérprete do antagonista principal. É, por assim dizer, com algo um pouco parecido que se depararam os realizadores deste “Wakanda Para Sempre”: Tendo o diretor Ryan Coogler levado seu “Pantera Negra” a tornar-se o primeiro filme de super-heróis a concorrer ao Oscar de Melhor Filme, uma fatalidade mudou os planos gloriosos que ele e a Marvel Studios certamente tinham para a continuação, a morte do protagonista Chadwick Boseman, em 28 de agosto de 2020, vitimado por um câncer.
A decisão da Marvel, guiada por um sentimento
de luto que dominou também os fãs pelo mundo todo, foi também matar o
personagem que ele interpretava, T’Challa, fazendo com que o legado do herói se
encerrasse junto com o grande ator que o interpretava. Embora exalasse
respeito, a decisão não deixou de impactar alguns fãs que se opuseram a essa
escolha.
Contudo, todos –os que compactuaram com a
manobra e os que dela discordaram –tiveram que conferir em “Pantera
Negra-Wakanda Para Sempre”, os efeitos dessa decisão e as consequências dela
para os coadjuvantes e para todo o Universo Marvel daqui para frente.
Imaginar o que teria sido o filme se Chadwick
Boseman tivesse permanecido vivo é um gesto tão doloroso quanto irrelevante, o
que importa é a obra plena de emoção e comoção que assim chegou aos cinemas.
É Ryan Coogler, Kevin Feigi e todo o elenco e
equipe técnica unidos em preparar a melhor despedida possível para um amigo. É
também o filme mais emocionante da Fase 4 da Marvel.
Quando “Wakanda Para Sempre” começa, somos
apresentados a uma cena construída com vibração elíptica, onde de pronto, o
personagem de T’Challa acaba partindo, por razões que o filme escolhe deixar em
aberto. Segue-se um momento fúnebre –já vislumbrado nos trailers da produção –e
a energia de luto e de despedida que se levanta a partir dali permeia todo o
filme, sendo ocasionalmente atenuada pela urgência da trama que é contada.
Em suas facetas mais práticas, “Wakanda Para
Sempre” lida também com a circunstância política acarretada pela decisão tomada
ao final do primeiro “Pantera Negra”, no qual a nação africana e
ultra-tecnológica de Wakanda revela todos os seus vastos recursos ao mundo. As Nações
Unidas, agora, têm um ávido interesse no precioso metal que permite todo esse
avanço à Wakanda, a raridade absoluta conhecida como vibranium.
Embora fosse presumido que o vibranium era de
exclusividade de Wakanda, algumas pesquisas capitaneadas pelos EUA descobrem
que há, sim, vibranium em outra parte do mundo. Mais precisamente nas
profundezas do Oceano Atlântico. Entretanto, também lá, o precioso metal tem
seus donos: O reino aquático de Talokan, oriundo de uma ancestral cultura
asteca, e governado com protecionismo implacável pelo poderoso mutante Namor
(Tenoch Huerta, fabuloso no personagem).
Estrategista feroz, Namor procura a rainha
Ramonda (Angela Basset, maravilhosa) e Shuri (Letitia Wright), respectivamente,
a mãe e a irmã, ainda enlutadas de T’Challa, para pedir-lhes um gesto de boa
vontade, da parte de Wakanda, para Talokan: Encontrar e entregar-lhe o gênio
responsável pela invenção da prodigiosa máquina que possibilitou aos americanos
detectar o vibranium no fundo do mar. No entanto, a decisão não se revela
fácil: O gênio em questão é a adolescente Riri Williams (Dominique Thorne, uma
excelente aquisição ao Universo Marvel) cuja empatia e inteligência espelha
muito as de Tony Stark –o super-herói inaugural desse mesmo universo.
Será esse e outros impasses que colocarão as
forças de Talokan em rota de colisão com as de Wakanda, o que faz do filme
formidável perpetrado por Ryan Coogler, um épico de guerra, adornado por todo o
viés político que as obras mais profundas e circunspectas dessa orientação
costumam ter.
É claro que “Wakanda Para Sempre” carrega em si
o fardo de ser inúmeras outras coisas também: Um trabalho que resgate aos olhos
do público a excelência da Marvel Studios, dispersa em projetos, televisivos e
cinematográficos, que, desde o descomunal “Vingadores-Ultimato” não chegaram a
empolgar como deveriam; uma profusão habitual de efeitos visuais e ação
constante à qual a Marvel já acostumou seus expectadores; uma introdução,
fervilhante em representatividade de Namor e toda a mitologia (diferenciada das
HQs) que o cerca, na qual o reino submarino de Talokan (diferente da Atlântida
vista em “Aquaman”, por exemplo) ganha caracterizações que remetem à cultura
mezomericana, numa manobra radical mas, bastante interessante da parte dos
realizadores; uma passagem de bastão, do falecido T’Challa para Shuri (a
protagonista de fato deste filme); uma cuidadosa preparação para muitos
conceitos que haverão de definir o Universo Marvel daqui para frente –com a
adição, não só de Namor (aqui contextualizado como um antagonista, mas,
perfeitamente capaz de ser um herói extremamente complexo e fascinante em
projetos vindouros), como também de Riri Williams (herdeira de Stark e do “Homem de Ferro” cuja série própria, “Ironheart”, já está prevista no Disney Plus) e
até da Condessa Valentina Allegra de La Fontaine (a ótima Julia
Louis-Dreyfuss), personagem que deve ganhar tremenda importância num futuro
próximo –e, acima de tudo, uma homenagem ao legado deixado por Chadwick
Boseman.
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