sábado, 3 de junho de 2023

O Predador - A Caçada


 Tão eficiente, inspirada e certeira foi a mescla bem administrada de ação e ficção científica executada pelo diretor John McTiernam em “O Predador” que, desde os anos 1980, a indústria tenta, em vão repetí-la. Poucos anos depois, houve a honesta, porém, insuficiente continuação, “Predador 2”; após o ano 2000, uma das maiores heresias de Hollywood contrapôs o alienígena caçador aos xenomorfos de Ridley Scott em “Alien X Predador”; algum tempo depois, tentou-se recuperar o espírito do filme original com o bem-intencionado “Predadores”, até que em 2018, nas mãos de Shane Black, tudo converteu-se numa indigesta confusão com o reboot “OPredador”. O que nos leva à este “Prey”, projeto que entrou sigilosamente em gestação tão logo o filme de Shane Black estreou nos cinemas. Lançado em 2022, “Prey” estreou na plataforma Hulu, uma das muitas obras de apelo cinematográfico dos últimos anos a ganhar lançamento exclusivo em streaming.

Sem qualquer conexão com as mal-fadadas realizações que só fizeram manchar o bom nome da franquia, “Prey” dialoga diretamente com o filme original estrelado por Arnold Schwarznegger –como, é bem verdade, todos os demais tentaram fazer...

Contudo, o conceito, reduzido a uma simplicidade fascinante, arquitetado pelo diretor Dan Trachtenberg (de “RuaCloverfield, 10”) e pelo roteirista Patrick Aison tem a epifânia de concentrar-se em sua essência tal e qual o “Predador” original o fazia –e o resultado é tão acertado, harmonioso e eficaz que nos perguntamos, afinal, por que levou tantos anos para alguém nos Estúdios Fox ter essa ideia?! “Prey” tal e qual o primeiro filme, é uma trama de sobrevivência. Ele não almeja ser mais, fazer mais ou mostrar mais, pelo contrário, ele segue muitos dos tópicos narrativos exibidos pelo primeiro filme, alterando radicalmente apenas a ambientação. Que, no caso, vem a ser o Território Comanche, nos EUA ainda não totalmente desbravados, em 1719. Acompanhamos inicialmente a rotina da tribo da jovem nativa Naru (a carismática Amber Midthunder, de “A Qualquer Custo”), garota habilidosa que amarga a frustração de, por ser mulher, jovem e mirrada, não integrar o grupo de caçadores da tribo, liderado com altivez por seu irmão mais velho, Taabe (Dakota Beavers).

Nas oportunidades que encontra para acompanhar o grupo floresta afora –em geral, por seu manejo talentoso de ervas medicinais –Naru descobre indícios de que algo muito mais perigoso que os ursos e leões da montanha de praxe pode estar à espreita.

Na narrativa de predisposição clássica que Trachtenberg elabora, os reflexos de gênero se repetem (como o fato sistemático de que as pistas da existência do perigo alienígena chegam apenas para a protagonista e nunca para os coadjuvantes que duvidam dela), mas ele consegue o milagre de não fazê-los irritantes ao público, em grande medida, porque evita a armadilha de construir personagens estereotipados, preferindo neles imprimir uma serena humanidade –isso, pelo menos, até os desbravadores franceses aparecerem, já perto do clímax, acrescentando ainda mais perigo e caos à história.

Assim, nesse crescendo gradual de suspense –empolgante justamente por espelhar muito da certeira narrativa do “Predador” original –os detalhes vão se somando sem que percebamos, plantados com astúcia e cautela pelo roteiro, para que o clímax (que ocupa o notável terço final) chegue pontuado por boas ideias e fortalecido por detalhes inventivos a um só tempo respeitosos da mitologia do Predador e inovadores para com os acréscimos particulares que adiciona.

Em tempos de inevitável reclamação digital, “Prey” não escapou às ranzinzas observações acerca do que fato de que, ao nomear como improvável protagonista uma jovem mulher, o filme atende a todas as agendas ideológicas de feminismo, representatividade e tudo o mais que transfere a atenção no debate sobre questões que fogem do foco de qualidade do filme. Quem não se importar com besteiras como essa –afinal, mulheres já são heroínas de ação deste os tempos da Tenente Ripley em “Alien” –pode apreciar um filme eficiente, modesto, bem realizado e bastante satisfatório no resgate ainda que tímido de uma franquia oitentista que já estava a demorar demais para receber a continuidade que merece.

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