Tão eficiente, inspirada e certeira foi a mescla bem administrada de ação e ficção científica executada pelo diretor John McTiernam em “O Predador” que, desde os anos 1980, a indústria tenta, em vão repetí-la. Poucos anos depois, houve a honesta, porém, insuficiente continuação, “Predador 2”; após o ano 2000, uma das maiores heresias de Hollywood contrapôs o alienígena caçador aos xenomorfos de Ridley Scott em “Alien X Predador”; algum tempo depois, tentou-se recuperar o espírito do filme original com o bem-intencionado “Predadores”, até que em 2018, nas mãos de Shane Black, tudo converteu-se numa indigesta confusão com o reboot “OPredador”. O que nos leva à este “Prey”, projeto que entrou sigilosamente em gestação tão logo o filme de Shane Black estreou nos cinemas. Lançado em 2022, “Prey” estreou na plataforma Hulu, uma das muitas obras de apelo cinematográfico dos últimos anos a ganhar lançamento exclusivo em streaming.
Sem qualquer conexão com as mal-fadadas
realizações que só fizeram manchar o bom nome da franquia, “Prey” dialoga
diretamente com o filme original estrelado por Arnold Schwarznegger –como, é
bem verdade, todos os demais tentaram fazer...
Contudo, o conceito, reduzido a uma
simplicidade fascinante, arquitetado pelo diretor Dan Trachtenberg (de “RuaCloverfield, 10”) e pelo roteirista Patrick Aison tem a epifânia de
concentrar-se em sua essência tal e qual o “Predador” original o fazia –e o
resultado é tão acertado, harmonioso e eficaz que nos perguntamos, afinal, por
que levou tantos anos para alguém nos Estúdios Fox ter essa ideia?! “Prey” tal
e qual o primeiro filme, é uma trama de sobrevivência. Ele não almeja ser mais,
fazer mais ou mostrar mais, pelo contrário, ele segue muitos dos tópicos
narrativos exibidos pelo primeiro filme, alterando radicalmente apenas a
ambientação. Que, no caso, vem a ser o Território Comanche, nos EUA ainda não
totalmente desbravados, em 1719. Acompanhamos inicialmente a rotina da tribo da
jovem nativa Naru (a carismática Amber Midthunder, de “A Qualquer Custo”),
garota habilidosa que amarga a frustração de, por ser mulher, jovem e mirrada,
não integrar o grupo de caçadores da tribo, liderado com altivez por seu irmão
mais velho, Taabe (Dakota Beavers).
Nas oportunidades que encontra para acompanhar
o grupo floresta afora –em geral, por seu manejo talentoso de ervas medicinais
–Naru descobre indícios de que algo muito mais perigoso que os ursos e leões da
montanha de praxe pode estar à espreita.
Na narrativa de predisposição clássica que
Trachtenberg elabora, os reflexos de gênero se repetem (como o fato sistemático
de que as pistas da existência do perigo alienígena chegam apenas para a
protagonista e nunca para os coadjuvantes que duvidam dela), mas ele consegue o
milagre de não fazê-los irritantes ao público, em grande medida, porque evita a
armadilha de construir personagens estereotipados, preferindo neles imprimir
uma serena humanidade –isso, pelo menos, até os desbravadores franceses
aparecerem, já perto do clímax, acrescentando ainda mais perigo e caos à
história.
Assim, nesse crescendo gradual de suspense
–empolgante justamente por espelhar muito da certeira narrativa do “Predador”
original –os detalhes vão se somando sem que percebamos, plantados com astúcia
e cautela pelo roteiro, para que o clímax (que ocupa o notável terço final)
chegue pontuado por boas ideias e fortalecido por detalhes inventivos a um só
tempo respeitosos da mitologia do Predador e inovadores para com os acréscimos
particulares que adiciona.
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