quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Rua Cloverfield 10

Uma sensação das mais gratificantes é perceber que os realizadores deste filme ignoraram o formato “found footage” do filme anterior –“Cloverfield-Monstro” –para conceber este na linguagem tradicional: “Rua Cloverfield 10” é, por isso mesmo, puro cinema, e isso é só uma das ótimas supresas que ele reserva.
Em primeira lugar é equivocado defini-lo como continuação do intrigante longa-metragem de 2008; está mais para uma expansão de histórias ambientadas provavelmente no mesmo universo em que ocorreram, embora as conexões entre esses dois filmes continuem extremamente tênues.
“Rua Cloverfield 10” começa sem enrolações com Michelle, a personagem da maravilhosa Mary Elizabeth Winstead, prestes a deixar o noivo, o quê ela faz em poucos segundos de filme: O roteiro é tão prático, objetivo e equilibrado que muito (ou tudo) do quê precisamos saber sobre a personagem já nos é passado nas primeiras breves cenas, e todas elas ainda prescindem da necessidade de diálogos.
Enquanto está na estrada, o carro de Michelle sofre um acidente e, ao acordar, ela se vê numa espécie de porão, presa à parede por uma corrente e deitada em um colchão.
A explicação virá ainda mais alarmante pelo próprio homem que aparentemente a salvou, o taciturno e suspeito Howard (o fantástico John Goodman): Michelle está em um bunker projetado por ele para refugiar-se de um eventual fim do mundo, que segundo o próprio Howard, ocorreu mais ou menos por volta de quando a jovem se acidentou –ele corria para lá quando a encontrou na estrada.
E, sendo portanto, este filme, parte do cânone que integra aquele filme de monstro produzido por J.J. Abrahams (que retorna como produtor aqui), podemos de início deduzir que os eventos catastróficos mencionados por Howard podem ter ligação com a criatura mostrada na outra produção. Todavia será apenas isso, deduções, que esta obra absolutamente instigantes nos reservará durante boa parte de sua duração.
Muito dessa perplexidade parte da condição subjetiva em relação à Michelle que o filme impõe ao expectador: E Mary Elizabeth Winstead faz jus à ancoragem que o filme exige dela, assumindo um protagonismo convicto e espontâneo, mesmo diante de uma  montanha de talento como Goodman.
Junto desses dois está Emmet (John Gallagher Jr.), um rapaz que ratifica a história contada por Howard, embora de início, Michelle não dê crédito a nenhum dos dois: Ela –como nós todos –deseja ver, e saber, o perigo que se espalha lá fora, e também entender a natureza desse perigo, sua origem e gênese, e descobrir afinal, em que condições ele deixou o mundo.
Essa falta de notícias parece alarmar somente a ela, que começa também a achar bastante estranho o fato de Howard encarar com indiferença o quê se passa lá fora.
Como o brilhante suspense que é, “Rua Cloverfield 10” deixa todas essas questões em aberto (O quê, de fato, ocorreu ao mundo lá fora? O cataclisma sugerido por Howard é real, ou uma mentira? E o próprio Howard, até que ponto ele é, de fato, confiável?) até a hora certa, envolvendo o público numa série de artifícios simples, e que certamente aparecem numa infinidade de outras produções, mas que, em geral, são tão raramente bem empregados, que é um motivo de júbilo o fato deste filme simples e bem acabado saber lidar tão magnificamente bem com eles.
Não parecer ser nem um pouco por acaso que um dos roteiristas creditados do projeto seja Damien Chazelle (que dirigiu e escreveu o primoroso, enxuto e essencial “Whiplash-Em Busca da Perfeição): É muito daquela precisão quase cirúrgica de ritmo e lógica narrativos que vemos transcorrer em cena.

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