In Denis Villeneuve we trust
Já era lendária a afirmação de que “Duna”, a
obra-prima literária de Frank Herbert, tratava-se de um trabalho impossível de
ser adaptado. As tentativas anteriores de transpô-lo para a linguagem
cinematográfica (o filme de 1984 de David Lynch, a minissérie do ano 2000, além
do projeto jamais concretizado por Alejandro Jodorowsky) soavam mais como
confirmações da inviabilidade do material em ser vertido para outra narrativa
do que realizações bem-sucedidas de fato.
Todavia, o canadense Denis Villeneuve, que
desde sua estréia só fez brilhar em aclamadas produções, tomou para si a
responsabilidade de fazer o impossível, depois de sagrar-se com duas
espetaculares obras de ficção científica –o magistralmente intimista “A Chegada”, e a continuação audaciosamente superior ao cultuado original “Blade Runner 2049”. Para esta nova e, espera-se, definitiva versão, Villeneuve tomou
emprestadas ideias mercadologicamente surgidas a partir da adaptação de “O
Senhor dos Anéis”, por Peter Jackson, em 2001: Dividiu o tomo gigantesco de
Frank Herbert em dois longa-metragens de generosa duração –a realização da
Segunda Parte depende, portanto, do bom desemprenho de público e crítica da
Primeira Parte.
“Duna” se passa no ano de 10161. O espaço é um
palco de interesses políticos regidos por casas que disputam o poder tal e qual
o mais brutal dos sistemas feudais. E o centro da maioria das disputas vem a
ser o planeta Arrakis, lugar desértico que gera o produto conhecido como
‘especiaria’ –um pó obtido entre as areias de seus intermináveis desertos, com
o qual as viagens interestelares se tornam possíveis.
Por décadas, o domínio e a extração da
‘especiaria’, bem como os atritos selvagens contra os habitantes de Arrakis, o
povo do deserto conhecido como os Fremen, ficaram à cargo da Casa Harkonnen,
comandada pelo hediondo, grotesco e pernicioso Barão Vladimir Harkonnen
(Stellan Skarsgaard) e seu sobrinho Glossu Raban (Dave Bautista, no personagem
que foi de Paul L. Smith na versão de David Lynch).
Numa decisão delegada pelo Imperador Galáctico
–esta obra, como pode-se notar, foi uma das inspirações de George Lucas para
“Star Wars” –o comando de Arrakis passa da Casa Harkonnen para a Casa Atreides.
É aí que entram em cena os protagonistas da
trama: O Duque Leto Atreides (Oscar Isaacs), sua esposa Jessica (a maravilhosa
Rebecca Fergunson) e, sobretudo, seu filho, Paul (Timothée Chamalet). Sendo
Jessica uma integrante das Bene Gesserit,
uma casta de feiticeiras imbuídas do dom da premonição, ela e seus pares
acreditam que Paul, por sua procedência e por outros indícios que se sucedem
(como sonhos nos quais ele vislumbra um futuro bem provável e perigoso), possa
ser um messias, esperado há tempos para mudar irreversivelmente a escala de
poder.
Dentro do que se propôs, o diretor Villeneuve,
só pra variar, realizou um trabalho simplesmente brilhante: Não apenas seu
“Duna” ostenta qualidades cinematográficas inquestionáveis em sua grandiosidade
(é recomendado que seja visto na maior tela possível tamanho é o deslumbre de
seu escopo épico), como também é primorosamente minimalista em seus pequenos
detalhes (como os olhos azuis dos Fremen, adquiridos através da exposição à
‘especiaria’) e hiperlativo nas influências que adota: “Duna” é, pois, tão
sólido e imponente quanto “Lawrence da Arábia”, tão contundente e estilizado
quanto “Kagemusha”, tão antológico e singular quanto “2001-Uma Odisséia No Espaço”.
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