Interessante como o cinema da Austrália (ao
menos, o cinema ‘sério’ da Austrália), em geral, costuma refletir seguidamente
sobre um mesmo tema: O de não pertencer a nenhum lugar.
Realizadores como Peter Weir ou Nicholas Roeg
dedicaram algumas de suas obras a avaliar os desdobramentos e ramificações
dessa sensação tão peculiar e indistinta.
Certamente, o povo aborígine é, com freqüência,
um tópico e tanto para ilustrar essa questão. Buscando remeter uma austeridade
e um engajamento com o qual ele até então não era muito relacionado, o diretor
Phillip Noyce (mais conhecido como realizador dos filmes de ação, “Jogos
Patrióticos” e “Perigo Real e Imediato”) se debruça aqui sobre essa faceta tão
particular do cinema australiano e sobre essa história de três meninas
aborígines mestiças.
Filhas de nativas com pais brancos, as irmãs
Molly (a expressiva Everlyn Sampi) e Daisy (Tianna Sansbury), mais a prima
Gracie (Laura Monaghan), são bruscamente retiradas de seu povoados por agentes
policiais (segundo a lei de apropriação instituída em meados de 1931, o governo
podia remover as crianças mestiças de sua tribo para submetê-las à outra
educação e outra cultura) a mando do reverendo Neville (Kenneth Brannagh,
formidável como sempre).
Levadas ao Centro Nativo de Treinamento Moore
River, uma rotina esmagadora e inclemente as aguarda: Elas recebem um
tratamento desumano, são obrigadas a trabalhar, a estudar e a falar no idioma
obrigatoriamente inglês (para que esqueçam o dialeto aborígine) e são
selecionadas para ir a outras escolas. O plano do Sr. Neville é encaminhá-las
para casamentos arranjados e, num procedimento nauseante que ele ilustra com
convicção alarmante, fazer com que a raça à qual pertencem acabe se dissipando
ao longo das gerações a partir da miscigenação.
Alguns dias de passam até que a mais velha
delas, Molly, inflada de indignação resolve arrastar as outras duas em sua
fuga. Não era comum as tentativas de fuga de crianças do Moore River; para
isso, eles tinham um rastreador aborígine, o Sr. Moodoo (David Gulpilil,
célebre ator aborígine que participou de “Walkabout-A Longa Caminhada”,
“Crocodilo Dandee” e outros). Contudo, a esperteza de Molly vislumbra uma
vantagem: Fugir horas antes de uma chuva que se forma, para que assim a água
apagasse seus rastros.
Essa e outras atitudes perspicazes de Molly
(como encobrir as pegadas andando pelo rio, ou plantar indícios propositais na
direção errada) vão conferindo às meninas uma prerrogativa que as permite ir
muito além das outras.
Eventualmente, as três crianças encontram a
grande cerca que percorre todo o território australiano, erguida para afastar
os coelhos das grandes plantações do lado oposto –“Rabbit-Proof Fence”, a Cerca
À Prova de Coelhos, é à propósito o título original do filme.
Molly e as outras sabem que, seguindo sempre à
margem da cerca, elas chegarão na região de sua tribo, onde sua mãe aflita as
aguarda, no entanto, existem 2.400 quilômetros à separá-las de casa.
A direção de atores
exercida por Noyce não é excepcional, mas ele conta com um roteiro pleno de
solidez e objetividade, e com o encanto e a espontaneidade natural de suas três
pequenas protagonistas. Sua história (baseado em fatos reais) é deveras tão
extraordinária que ele deixa que ela fale por si, enxugando seu filme de firulas
e outros incrementos desnecessários.
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