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segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Calmaria


 No papel, a trama de “Calmaria” até que parece instigante e promissora –e certamente se deve a isso o bom elenco que o projeto conseguiu reunir –no entanto, em sua execução, o filme de Steven Knight (roteirista de “Coisas Belas e Sujas”) é falho e equivocado. Seu protagonista é um certo Baker Dill (vivido com inicial apatia por Matthew McConaghey), homem em cuja vida, nada é muito certo: Não é muita certa sua ocupação (de levar à bordo de seu barco, em passeios no alto-mar, turistas pagantes) uma vez que, já na cena que abre o filme, Baker despreza seus clientes para concentrar-se no que parece ser uma obsessão –pescar um imenso e lendário atum que lhe escapa sempre que está prestes a capturar. Não são muito certos seus relacionamentos, como a amizade pouco recíproca do indulgente Duke (Djimon Hounsou, de “Shazam!”) ou o convulsivo sexo casual que mantém com a ainda mais indulgente Constance (Diane Lane, desperdiçada). Nem é muito certa sua vontade de permanecer naquela longínqua ilha de Plymouth, onde todos vivem a trabalhar para depois encher a cara no bar local. Para Baker Dill, não é muito certo nem mesmo quem ele é: Outrora, ao que tudo indica, ele se chamou John Mason, e desistiu de tudo após um traumático período na Guerra do Afeganistão.

De tudo, exceto de seu filho, Patrick (Rafael Sayegh) com quem, mesmo estando em algum outro lugar e há anos sem se verem, Baker mantém uma conexão que parece sobrenatural. Essa estranha rotina muda com a chegada de Karen (Anne Hathaway, extremamente deslocada), socialite loira que surpreende a muitos revelando-se ser ex-esposa de Baker. Ela precisa do ex-marido para um serviço improvável –seu atual marido Frank (Jason Clarke) é um homem violento que a ameaça e ao seu filho. Para livrar-se dele –que aparecerá por Plymouth nos próximos dias interessado num providencial passeio à barco –Karen pagará 10 milhões de dólares para que Baker deixe-o afogar-se no oceano.

A dúvida está instalada no pensamento do personagem principal e um certo suspense, na narrativa. Contudo, embora “Calmaria” –ou “Serenity”, seu título original que dá nome ao barco do protagonista –traga todos os elementos de um filme noir com ambientação caribenha –a femme fatale trazendo problemas ao calejado herói; o assassinato encomendado com ares de um mistério ainda por se resolver; o vilão criminoso, inescrupuloso e perigoso como manda o figurino –ele não é um de fato: Lá pelas tantas, “Calmaria” se sai com uma espécie de reviravolta que coloca todas as coisas de pernas pro ar e transforma por completo a percepção (e o próprio gênero) do filme que vínhamos assistindo. É uma guinada similar àquela presente, num dado momento, em “Vanilla Sky”, ou em “Clube da Luta” –com a grave diferença de que nesses filmes citados, tal guinada funciona...

Dirigindo seu próprio roteiro,  Steven Knight demonstra apreço fora do normal por obras que levam às últimas consequências o conceito em que nada é o que parece ser, em especial os trabalhos assinados por Christopher Nolan, como “Amnésia” e “A Origem” –e não é à toa, portanto, que seus protagonistas sejam McConaghey e Hathaway, reunidos também por Nolan em “Interestelar” –porém, ele deixa seu fascínio como expectador confundir sua perspicácia como realizador e constrói um filme de justificativas incertas, de cenas realizadas para soarem intrigantes mas que resultam apenas idiotas, e de personagens que, devido à fraca direção, nunca dizem em suas posturas de fato à que vieram.

E, a partir daqui, leitor, a resenha irá abordar abertamente as surpresas do filme, portanto, considere-se aviso de spoilers!

 Talvez, o grande lapso de “Calmaria”, seja o fato de que a sua grande reviravolta surpresa pode ser antecipada a partir de um determinado ponto pelo expectador que estiver mais atento –uma falha grave num filme cuja proposta central é mostrar-se surpreendente e inesperado. Dentro do enredo que norteia “Calmaria”, todos os personagens (sobretudo Baker) são integrantes de um jogo de videogame projetado pelo menino Patrick em sua solidão. Ele coloca seu pai –morto em combate –como personagem central (e o mote do jogo é tentar pescar o atum, daí a sua obsessão) e, por isso, todos os demais personagens em volta dele se mostram obsequiosos, solícitos aos seus interesses e subservientes aos seus objetivos, mesmo que ele nunca forneça motivos para que se comportem assim. A aparição de Karen significa, assim, que as aflições da vida doméstica de Patrick –na qual o padrasto lhe hostiliza –começam a interferir na harmonia idílica daquele mundo paradisíaco que ele criou. As discrepâncias dessa obra, contudo, falam muito alto; por exemplo: Acaba soando grosseira a constatação de que o jovem, uma vez sendo o idealizador de toda a narrativa que se sucede em Plymouth, imaginou, ele próprio, uma transa entre seu pai e sua mãe, na noite anterior ao dia fatídico (!).

Com essa estranha e mal-costurada mescla de gêneros que se pretende inesperada (mas, é só estranha mesmo), Steven Knight esperava urgir uma obra nos moldes dos trabalhos de Nolan, entretanto, terminou criando algo que se aproxima mais da irregularidade e da esquisitice do inconstante “O Segredo da Cabana”, de Drew Goddard.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

O Primeiro Homem

Por mais que, enquanto obra de cinema, “O Primeiro Homem” preste um devido tributo a tudo que veio antes dele na particular categoria em que se insere (a dos épicos históricos sobre viagem espacial como “Os Eleitos” e “Apollo 13”) o diretor Damien Chazelle é hábil e competente o bastante para levar o seu próprio diferencial: Ele enfatiza a visão subjetiva (e de certa forma intimista) de seu biografado, Neil Armstrong (Ryan Goslyng, sempre impecável) sobre os acontecimentos.
Essa opção pelo intimismo pode até soar inusitada numa obra do mesmo diretor que explorou os rompantes de fúria e música em “Whiplash” e extravasou a adoração pelos musicais da Era de Ouro em “La La Land-Cantando Estações”, mas “O Primeiro Homem” se ombreia neles por sua captura sensorial das impressões do protagonista acerca dos grandes eventos em que esteve: Este é um filme sobre Neil Armstrong e não sobre a primeira viagem a lua.
Em meados dos anos 1960, Armstrong era um dos muitos pilotos destemidos da Força Aérea que desafiavam as limitações técnicas de seu tempo em vôos cada vez mais audazes.
Na vida pessoal, embora casado com a amorosa e firme Janet (Claire Foy, maravilhosa), Neil vivia um drama: Sua filhinha mais nova desenvolveu um tumor que os médicos não foram capazes de curar.
A perda dela definiu a personalidade retraída e introspectiva de Neil Armstrong por toda a vida.
Mergulhando de cabeça no trabalho como forma de contornar a dor, Armstrong foi um dos voluntários para o Programa Gemini que (seguido do Programa Apollo) visava alcançar inovações tecnológicas antes dos russos a fim de obter a supremacia da Corrida Espacial e chegar primeiro ao tão almejado solo lunar.
Indo morar em Houston, nas dependências da NASA, Armstrong se torna amigo de Ed Wihte (Jason Clarke) e Elliot See (Patrick Fugit, de “Quase Famosos”), ao lado dos quais participa dos rigorosos testes impostos aos pretendentes a astronautas.
A medida que a narrativa avança, a opção ao drama fica cada vez mais nítida no trabalho de Damien Chazelle –isso se percebe no fato de que as conquistas de Armstrong no campo profissional da astronomia são pontuadas pelas perdas pessoais (como o teste de vôo em que Elliot perde a vida), e no risco onipresente de morte em cada uma das tentativas de ir além; de uma postura quase tão impassível quanto seu protagonista, o filme de Chazelle observa com igual riqueza de detalhes tanto seus sucessos quanto seus fracassos –e que resultam assombrosos também, inclusive, por sua maior ausência nos livros de História.
A meia hora final, dedicada ao pouso na lua, é construída com um zelo técnico impecável e um rigor dramático bastante sólido, embora deva frustrar expectadores que fossem esperar do filme algo mais festivo e enaltecedor –é um momento, sim, em que Neil Armstrong, no silêncio de seu luto eterno, atinge uma conquista sem precedentes na História da Humanidade, e encontra, nesse auge existencial, um tênue conforto para o sacrifício incomensurável que a vida cobrou dele.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Por Trás dos Seus Olhos


O filme do diretor Marc Foster lembra sistematicamente o dinamarquês “Blind” (ao mostrar, em sua primeira parte, uma bela mulher a enfrentar os desafios domésticos e existenciais da cegueira), o thriller “Blink-Num Piscar de Olhos” (ao devolver, a essa mesma protagonista, a capacidade de visão e, a partir daí, engatar uma marcha de suspense), e “EnsaioSobre A Cegueira”, de Fernando Meirelles (nos recursos visuais que tenta empregar para simular a impressão subjetiva da personagem, e nas intenções reflexivas de sua condição que, aqui, nunca se concretizam satisfatoriamente).
Gina (a bela e minimalista Blake Lively) sofreu um acidente quando criança que a fez perder a visão. Aos vinte e poucos anos, ela jamais viu o próprio reflexo num espelho, ou mesmo o rosto do marido James (Jason Clarke) com quem vive na Tailândia –registrada, neste filme, como um lugar onde se esbarra com frequência em americanos (!).
Quando o Dr. Hugues (Danny Huston) aparece com a possibilidade de um transplante de córneas –e, por consequência, com a possibilidade de Gina voltar a enxergar –algo, inicialmente indefinível começa a se transformar na dinâmica do casamento entre ela e James.
Se antes ele era inteiramente vulnerável e dependente, a partir do momento em que recupera a visão, Gina passa a demonstrar auto-confiança, independência e opinião próprias –o que, sem ela notar, começam a minar a masculinidade do próprio marido.
É James, querendo a volta de seu casamento como era antes, quem introduz os primeiros elementos de suspense na narrativa.
Estaria ele conspirando –na provável adulteração dos remédios de Gina –para que sua cegueira retornasse?
Apesar das possibilidades promissoras na premissa, o diretor Marc Foster contorna o teor instigante obtido pelos realizadores dos filmes citados acima optando por algo que quase descamba para um melodrama, arrastando sua condução em cenas que desperdiçam o potencial sufocante da narrativa para se concentrar em lamentações domésticas e questões melancólicas da vida a dois culminando em obviedades como o adultério ou a represália nos animais de estimação.
Uma pena: A julgar pelo afinco demonstrado por Blake Lively dava para obter algo muito melhor que isso.

quarta-feira, 7 de março de 2018

Geração Roubada

Interessante como o cinema da Austrália (ao menos, o cinema ‘sério’ da Austrália), em geral, costuma refletir seguidamente sobre um mesmo tema: O de não pertencer a nenhum lugar.
Realizadores como Peter Weir ou Nicholas Roeg dedicaram algumas de suas obras a avaliar os desdobramentos e ramificações dessa sensação tão peculiar e indistinta.
Certamente, o povo aborígine é, com freqüência, um tópico e tanto para ilustrar essa questão. Buscando remeter uma austeridade e um engajamento com o qual ele até então não era muito relacionado, o diretor Phillip Noyce (mais conhecido como realizador dos filmes de ação, “Jogos Patrióticos” e “Perigo Real e Imediato”) se debruça aqui sobre essa faceta tão particular do cinema australiano e sobre essa história de três meninas aborígines mestiças.
Filhas de nativas com pais brancos, as irmãs Molly (a expressiva Everlyn Sampi) e Daisy (Tianna Sansbury), mais a prima Gracie (Laura Monaghan), são bruscamente retiradas de seu povoados por agentes policiais (segundo a lei de apropriação instituída em meados de 1931, o governo podia remover as crianças mestiças de sua tribo para submetê-las à outra educação e outra cultura) a mando do reverendo Neville (Kenneth Brannagh, formidável como sempre).
Levadas ao Centro Nativo de Treinamento Moore River, uma rotina esmagadora e inclemente as aguarda: Elas recebem um tratamento desumano, são obrigadas a trabalhar, a estudar e a falar no idioma obrigatoriamente inglês (para que esqueçam o dialeto aborígine) e são selecionadas para ir a outras escolas. O plano do Sr. Neville é encaminhá-las para casamentos arranjados e, num procedimento nauseante que ele ilustra com convicção alarmante, fazer com que a raça à qual pertencem acabe se dissipando ao longo das gerações a partir da miscigenação.
Alguns dias de passam até que a mais velha delas, Molly, inflada de indignação resolve arrastar as outras duas em sua fuga. Não era comum as tentativas de fuga de crianças do Moore River; para isso, eles tinham um rastreador aborígine, o Sr. Moodoo (David Gulpilil, célebre ator aborígine que participou de “Walkabout-A Longa Caminhada”, “Crocodilo Dandee” e outros). Contudo, a esperteza de Molly vislumbra uma vantagem: Fugir horas antes de uma chuva que se forma, para que assim a água apagasse seus rastros.
Essa e outras atitudes perspicazes de Molly (como encobrir as pegadas andando pelo rio, ou plantar indícios propositais na direção errada) vão conferindo às meninas uma prerrogativa que as permite ir muito além das outras.
Eventualmente, as três crianças encontram a grande cerca que percorre todo o território australiano, erguida para afastar os coelhos das grandes plantações do lado oposto –“Rabbit-Proof Fence”, a Cerca À Prova de Coelhos, é à propósito o título original do filme.
Molly e as outras sabem que, seguindo sempre à margem da cerca, elas chegarão na região de sua tribo, onde sua mãe aflita as aguarda, no entanto, existem 2.400 quilômetros à separá-las de casa.
A direção de atores exercida por Noyce não é excepcional, mas ele conta com um roteiro pleno de solidez e objetividade, e com o encanto e a espontaneidade natural de suas três pequenas protagonistas. Sua história (baseado em fatos reais) é deveras tão extraordinária que ele deixa que ela fale por si, enxugando seu filme de firulas e outros incrementos desnecessários.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Planeta dos Macacos - O Confronto

Se formos levar em conta os demais filmes da franquia “Planeta dos Macacos” –as continuações menos prestigiadas do clássico com Charlton Heston –podemos perceber que “Planeta dos Macacos-A Origem” era uma reinvenção de “A Conquista do Planeta dos Macacos”, de 1972, seguindo uma linha mais factual, mais austera e mais plausível do que aquela mirabolante premissa de viagem no tempo.
E o filme cumpriu brilhantemente seu papel no sentido de preencher as lacunas acerca do mundo que o personagem astronauta de Charlton Heston encontrou quando regressou à Terra. Todavia, o filme não foi ávido, ilustrando com propriedade o início da ascensão dos símios em paralelo à derrocada da humanidade, deixando mais questões para sempre utilizadas em filmes posteriores.
Dessa forma, quando a história é retomada nesta continuação, dez anos já se passaram. Longe da civilização humana e de qualquer contato com os humanos, os macacos liderados por César (Andy Serkis que, mais uma vez, empresta ao personagem virtual emoção e presença únicas) agora vivem numa comunidade pacífica e tranqüila.
Os sobreviventes da raça humana que não sucumbiram ante o vírus (que, ao mesmo tempo, torna os macacos mais inteligentes) vivem num grupo polarizado entre duas lideranças distintas: De um lado, há Malcolm (Jason Clarke), um homem benevolente e sábio; do outro, Dreyfus (Gary Oldman), um beligerante e desconfiado cortejador da guerra.
Quando uma sucessão de circunstâncias leva a comunidade de César a encontrar os sobreviventes humanos, os dois grupos pouco a pouco começam a estabelecer uma aliança. Mas, se nem todos entre os humanos são confiáveis, nem tampouco eles são entre os macacos: Koba (personificado por Toby Kebbel), um dos conselheiros de César deseja a todo o custo uma guerra contra os humanos, e para isso parece disposto a sacrificar a própria paz que César tanto busca preservar.
O diretor deste segundo filme, Matt Reeves (ele dirigiu “Cloverfield-Monstro” e “Deixe-Me Entrar”, a refilmagem norte-americana de “Deixe Ela Entrar”), assumiu o posto com a desistência de Rupert Wyatt, realizador do filme anterior, sob a alegação de que não havia um roteiro hábil pronto para o início do projeto.
Reeves assumiu o filme com ares de diretor contratado, mas tratou de honrar todos os elementos funcionais do filme anterior: Sua premissa –um estopim narrativo para o grande embate entre macacos e humanos –recupera Koba, um interessante personagem usado com brevidade em “Planeta dos Macacos-A Origem”, mas que aqui ganha importância antagônica na trama e acaba responsável pelas ações que deflagram o terceiro ato deste filme e boa parte do que se verá na próxima produção.
Este é, portanto, não um filme de guerra, mas um filme sobre os gatilhos emocionais e morais que conduzem a guerra –como já era o clássico de 1968 que originou tudo isso, este novo “Planeta dos Macacos” é uma bela e inteligente alegoria acerca das razões (ou absoluta inexistência delas) das quais os homens se valem para a justificativa de seus conflitos.
O trabalho de Wyatt era mais fluido e convicto que o de Reeves em comparação, porém, o grande apelo do filme –o fato de que o magnífico César, que dividia de certa forma o protagonismo com James Franco no filme anterior, é aqui, indiscutivelmente o personagem central e principal –é mantido, enaltecido e ressaltado com o emprego de magistrais efeitos especiais.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

A Hora Mais Escura

“Kill Bin Laden” era um projeto iniciado pela diretora Kathryn Bigelow quando o famigerado terrorista ainda era um alvo escorregadio para o FBI. Recém-saída da consagração de “Guerra Ao Terror”, ela retomava a parceria com o premiado roteirista Mark Boal para lançar um olhar algo irônico sobre uma missão fracassada que visava a morte do procurado terrorista.
O elenco contava com Joel Edgerton e Chris Pratt –uns anos antes de virar astro com “Guardiões da Galáxia” e “Jurassic World” –e deveria ter uma pegada muito parecida com “Guerra Ao Terror” onde as relações entre os soldados eram esmiuçadas em meio à cenas de ação e de tensão.
Em algum momento durante a gestação do projeto porém, um lance inesperado do destino interveio: A Casa Branca anunciou a morte de Osama Bin Laden pelas mãos do Team 6 numa bem-sucedida incursão em uma residência do Paquistão.
De uma hora para outra, o filme de Bigelow se tornava inesperadamente datado. A saída: Valer-se do orçamento, das cenas já filmadas, do trabalho de pré-produção em andamento e criar um filme praticamente novo, desta vez, bem mais ambicioso (como toca a uma diretora ganhadora do Oscar), que envolvia a caçada à Bin Laden e culminava em sua morte ocorrida em maio de 2011.
Dessa forma, “Zero Dark Thirty” –o novo título da produção –deixa de lado os soldados liderados por Edgerton e Pratt (eles agora interpretam o Team 6 e aparecem apenas na explosiva meia hora final do filme) e se concentra numa das analistas recrutadas pela CIA, a jovem agente Maya –vivida com espetacular vigor por Jessica Chastain –que, após os estarrecedores atentados de 11 de setembro de 2001, e o início da árdua operação de rastrear e eliminar o autor dos ataques, o líder terrorista Osama Bin Laden, toma para si a missão de encontrá-lo custe o que custar.
Ao longo de uma década, a obstinação dela, somado aos esforços de outros personagens que vão e vêm com o passar dos anos (e que expõe o sensacional elenco que Bigelow conseguiu atrair para sua produção, como Jason Clarke, Mark Strong, Jennifer Ehle, Edgar Ramirez, Kyle Chandler, Frank Grillo e James Gandolfini), vão levar as tensas investigações à uma casa no centro de Abbottabad, no Paquistão onde o terrorista finalmente é morto.
O roteiro de Boal surpreende por manter a excelência mesmo em face da alteração de sua proposta e, mais ainda, pela magnífica maneira com que parece abordar de forma precisa e minuciosa os fatos supostamente reais –que, mesmo correspondentes à realidade jamais poderiam ser comprovados pelo governo –onde executa uma reconstituição primorosa e vigorosa da extensiva caçada a Bin Laden, pontuada por riquíssimos detalhes logísticos, técnicos, circunstanciais e humanos.
Apagando quaisquer dúvidas acerca de seu talento, a diretora Kathryn Bigelow sobe um degrau além de seu "Guerra Ao Terror" entregando um trabalho ainda mais adulto e austero, orquestrado com perícia e precisão insuspeitas.
E abrilhantado, ainda por cima, por uma forte e convicta atuação de Jessica Chastain: Só Deus sabe o que levou-a a perder o Oscar de Melhor Atriz para Jennifer Lawrence em seu “O Lado Bom da Vida”!

domingo, 29 de novembro de 2015

Crimes Ocultos

À exemplo do primoroso “A Troca”, de Clint Eastwood, este filme tenta ser mais de uma coisa ao mesmo tempo, e diante dessa pretensão, nem sempre obtém seu objetivo, ao contrário daquele grande trabalho. Quer ser suspense e quer ser filme histórico também. 
E quer ser contundente em ambas as frentes. Não consegue. 
Ainda que tenha no jovem Daniel Spinoza um diretor bastante capaz, entusiasmado e cheio de energia. Interessante notar no início, a insistência do olhar profundamente crítico desta produção americana sobre o sistema soviético do pós-guerra, o quê não deixa de resvalar num certo maniqueísmo. 
Justamente por isso, e por sua ocasional densidade acarretar certa pressão da qual sofre a narrativa, ele não é de todo bem sucedido. Mas, suas qualidades por vezes suplantam seus defeitos, especialmente quando a trama de suspense sai do segundo plano e mostra-se o cerne da narrativa, focando-se na procura (tornada obsessão) pelo serial-killer que mata meninos na União Soviética de 1953, quando o sistema de então praticamente beneficiava esses atos ao tentar acobertar o fato para não admitir a existência de párias, como psicopatas, em seu governo “perfeito”. 
O filme perde em caráter histórico e social, mas ganha em interesse, e no final, ele sempre se assumiu como entretenimento mesmo. 
Seu elenco, sobretudo, está soberbo. Tom Hardy é extraordinário. Sua atuação foge habilmente da tentação em compor um protagonista heróico, bonzinho e simpático. Leo, seu personagem, tem as características de arrogância e prepotência que o definem como um agente da KGB, mas guarda pequenos lampejos de compaixão e senso de justiça que mais tarde irão aflorar (junto com o verdadeiro objetivo da trama) após sua descida ao inferno. A bela sueca Noomi Rapace, como sua esposa, no início incomoda um pouco: Suas lentes de contato azuis, seus cabelos tingidos, a pesada maquiagem, além do sotaque carregadíssimo soam imediatamente artificiais, mas ela logo impõe-se na personagem. 
Além desse bom par central, o elenco tem boas presenças: Joel Kinnaman, o impecável Fares Fares, Vincent Cassel, Paddy Considine, Jason Clarke e o sempre excelente Gary Oldman. 
Não há como não haver acertos com um elenco assim.

domingo, 18 de outubro de 2015

Os Infratores

O diretor John Hillcoat (do fabuloso “A Estrada”) lança um olhar peculiar sobre as engrenagens da lenda e as matizes que acrescentam cor quando tal folclore se permite vislumbrar pelo prisma da realidade.
Em sua ânsia de observação, ele perscruta diversas facetas: A lenda enquanto mitologia nas mentes mais sugestionáveis; a vaidade inquieta dos indivíduos no centro da questão; os esforços intrínsecos dos cínicos para não ceder ao deslumbramento –e o conseqüente conflito que leva á tentativa de questionar o que é contado.
A fim de mover essa dissertação carregada de tantas facetas, Hillcoat apropriou-se de uma trama real: Durante a década de 1930, sob o regime da Lei Seca, o condado de Franklin torna-se o palco do próspero negócio dos três irmãos Boudurant –Forrest (Tom Hardy, ótimo), o líder taciturno; Howard (Jason Clark, um tanto quanto mal aproveitado), o grandalhão; e Jack (Shia LaBeouf, fora do tom), o caçula impetuoso –que passam a destilar bebida e vendê-la ilegalmente  para toda a região. 
A atividade atrai o perigoso policial assistente Rakes (Guy Pierce), vindo de Chicago, disposto a por um fim na lenda mítica que cerca os Boudurant. 
O resultado do esforço de John Hillcoat acaba orquestrando um vigoroso filme de gangster –ainda que excessivo em sua sanguinolência –ambientado em majestosa desolação a exemplo de seu trabalho anterior, e inquisitivo na maneira ressonante e ocasionalmente desmistificadora com que ele aborda a trama elaborada. Seu elenco parece em sintonia com esses propósitos entregando interpretações objetivas e perspicazes em suas nuances, como comprovam as extraordinárias presenças de Tom Hardy e Jessica Chastain (linda e com uma estupenda cena de nudez). O ponto fraco do filme fica por conta da presença destoada e superficial de Shia LaBeouf. Uma pena já que seu personagem irritante é colocado como protagonista em detrimento dos outros, mais interessantes.