Em 2001, recém-saído daquela que talvez seja
sua obra-prima (o inebriante “Quase Famosos”), o diretor e roteirista Cameron
Crowe encarou (à pedido o amigo e produtor Tom Cruise, com quem realizou "Jerry
Maguire-A Grande Virada") esta incomum e improvável refilmagem do suspense
espanhol “Abra Los Ojos” (ou “Preso Na Escuridão”) de Alejandro Almenábar.
Cameron, com sua percepção pop e aguçada
sensibilidade, deu uma nova e realmente curiosa roupagem à trama rebuscada e
intrincada que, no filme original, era mais um conto aflitivo feito com baixo
orçamento, mas que aqui se torna quase um delírio romântico que discute, entre
outras coisas, o limite nem sempre perceptível entre sonho e realidade, tendo
alterados radicalmente sua abordagem, sua melodia, e no fim, sua proposta.
Há uma névoa de estranheza já identificável no início quando o personagem de Tom Cruise, David Aames, surge em cena. Ele é editor de
uma revista masculina e herdeiro milionário de um império da mídia (já impondo
enorme contraste com o tímido escopo do filme espanhol, cujo protagonista era
hoteleiro...). Sua vida parece –e, por vezes, a narrativa sugere, de fato ser
–um sonho: Vive cercado por mulheres belíssimas e é, sendo ele interpretado por
Tom Cruise, extremamente boa-pinta.
Em algum momento, contudo, dessa vida
perfeita, David perdeu tudo, como logo é possível perceber quando fica claro
que os acontecimentos que ele relata são flashbacks, vislumbrados por ele
quando se encontra numa prisão e com o rosto deformado (!), na companhia de seu
atencioso advogado (Kurt Russell). A explicação para a face deformada,
inclusive, não tarda a chegar: Após conhecer a jovem Sofia (Penélope Cruz,
oriunda do filme original), por quem se apaixona, David se envolve num acidente
automobilístico que mata sua ciumenta ex-namorada (Cameron Diaz) e o deixa
terrivelmente desfigurado.
E, a partir daí, o filme parece tentar levantar
uma sutil questão: O que sobra a um homem egoísta e egocêntrico quando sua
vaidade perde a razão prática de existir?
E é até admirável e impressionante o modo como
a atuação visceral de Tom Cruise abre mão que qualquer zona de conforto para
comunicar essa angústia ao expectador: Seu trabalho, guardadas as devidas
proporções, remete ao efeito igualmente incômodo que seu talento consegue
arrancar no dramático “Nascido Em 4 de Julho”.
Mas, o filme de Cameron
Crowe irá além, com reviravoltas e questionamentos que caminham num equilíbrio
sempre tênue entre o surpreendente e o absurdo. E debaixo de todos esses
elementos ora confusos ora sensacionais de sua trajetória, o que sobra em David
é um homem atormentado por um acidente, pela busca de um verdadeiro amor, e no
final pela busca da distinção entre realidade e sonho."Vanilla Sky" esconde muitas de suas cartas por trás de uma muralha de romantismo, mas, no fim, é uma ficção científica triste, surpreendente e reconfortante.
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