quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Vanilla Sky

Em 2001, recém-saído daquela que talvez seja sua obra-prima (o inebriante “Quase Famosos”), o diretor e roteirista Cameron Crowe encarou (à pedido o amigo e produtor Tom Cruise, com quem realizou "Jerry Maguire-A Grande Virada") esta incomum e improvável refilmagem do suspense espanhol “Abra Los Ojos” (ou “Preso Na Escuridão”) de Alejandro Almenábar.
Cameron, com sua percepção pop e aguçada sensibilidade, deu uma nova e realmente curiosa roupagem à trama rebuscada e intrincada que, no filme original, era mais um conto aflitivo feito com baixo orçamento, mas que aqui se torna quase um delírio romântico que discute, entre outras coisas, o limite nem sempre perceptível entre sonho e realidade, tendo alterados radicalmente sua abordagem, sua melodia, e no fim, sua proposta.
Há uma névoa de estranheza já identificável no início quando o personagem de Tom Cruise, David Aames, surge em cena. Ele é editor de uma revista masculina e herdeiro milionário de um império da mídia (já impondo enorme contraste com o tímido escopo do filme espanhol, cujo protagonista era hoteleiro...). Sua vida parece –e, por vezes, a narrativa sugere, de fato ser –um sonho: Vive cercado por mulheres belíssimas e é, sendo ele interpretado por Tom Cruise, extremamente boa-pinta.
Em algum momento, contudo, dessa vida perfeita, David perdeu tudo, como logo é possível perceber quando fica claro que os acontecimentos que ele relata são flashbacks, vislumbrados por ele quando se encontra numa prisão e com o rosto deformado (!), na companhia de seu atencioso advogado (Kurt Russell). A explicação para a face deformada, inclusive, não tarda a chegar: Após conhecer a jovem Sofia (Penélope Cruz, oriunda do filme original), por quem se apaixona, David se envolve num acidente automobilístico que mata sua ciumenta ex-namorada (Cameron Diaz) e o deixa terrivelmente desfigurado.
E, a partir daí, o filme parece tentar levantar uma sutil questão: O que sobra a um homem egoísta e egocêntrico quando sua vaidade perde a razão prática de existir?
E é até admirável e impressionante o modo como a atuação visceral de Tom Cruise abre mão que qualquer zona de conforto para comunicar essa angústia ao expectador: Seu trabalho, guardadas as devidas proporções, remete ao efeito igualmente incômodo que seu talento consegue arrancar no dramático “Nascido Em 4 de Julho”.
Mas, o filme de Cameron Crowe irá além, com reviravoltas e questionamentos que caminham num equilíbrio sempre tênue entre o surpreendente e o absurdo. E debaixo de todos esses elementos ora confusos ora sensacionais de sua trajetória, o que sobra em David é um homem atormentado por um acidente, pela busca de um verdadeiro amor, e no final pela busca da distinção entre realidade e sonho.
"Vanilla Sky" esconde muitas de suas cartas por trás de uma muralha de romantismo, mas, no fim, é uma ficção científica triste, surpreendente e reconfortante.

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