O cineasta cult chinês Wong Kar-Way sempre se
destacou de seus pares por ser um realizador desigual. Seus filmes eram, quase
sempre voltados para as angústias internas de personagens consumidos por
tragédias humanas de caráter íntimo. Suas produções valorizavam a maleabilidade
orgânica permitida pelo improviso constante, e seu estilo não raro deixava
transparecer a admiração pela postura autoral de realizadores como Jean-Luc
Godard, seja nas características de ponderada audácia da Nouvelle Vague (algo
bom), seja nos arrombos densos e intelectualizados de uma pretensa autoria
(algo não tão bom).
“Cinzas do Passado” reúne todos esses elementos
numa roupagem que, de início, passa a impressão que será a de um filme de artes
marciais: E parece então que Kar-Wai vai antecipar em alguns anos o gesto de
Ang Lee, em “O Tigre e O Dragão”: Um diretor de renome, mais relacionado à
obras de seriedade temática fazendo um trabalho de gênero popular.
Mas essa primeira impressão logo se dissipa,
para frustração de alguns: Na história descortinada pouco a pouco pela câmera
irrequieta de Kar-Wai, acompanhamos o olhar quase subjetivo do dono de um bar
instalado num longínquo deserto da China Antiga, ele próprio dono de um passado
sofrido, que recebe, no transcorrer de seus dias e anos, uma série de
visitantes trazidos por seu desejo de sangue, de vingança, e de justiça, muitas
vezes provocados por uma desavença amorosa.
Suas histórias preenchem grande parte da
narrativa, deixando claro que, embora seu diretor lance mão de uma ou outra
seqüência em que os personagens se confrontam, não são, de modo algum, as lutas
o cerne de seu filme (nesse sentido, suas cenas envolvendo artes marciais são
mínimas).
É um cult extremamente artístico, rebuscado e
artesanal. Datado de 1995, a cópia lançada em circuito comercial com a adição
de palavra “Redux” é fruto de um trabalho de restauração movido por Kar-Way,
que enxugou o material em aproximadamente 10 minutos em relação ao corte
original, deixando bastante clara a importância pessoal que esse projeto tinha
para ele.
Sua trama complexa, às
vezes confusa, é uma dissertação carregada de dor sobre as mazelas de amor que
impulsionam os personagens. Um tema que persegue o diretor por toda sua
carreira.
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