quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Cinzas do Passado

O cineasta cult chinês Wong Kar-Way sempre se destacou de seus pares por ser um realizador desigual. Seus filmes eram, quase sempre voltados para as angústias internas de personagens consumidos por tragédias humanas de caráter íntimo. Suas produções valorizavam a maleabilidade orgânica permitida pelo improviso constante, e seu estilo não raro deixava transparecer a admiração pela postura autoral de realizadores como Jean-Luc Godard, seja nas características de ponderada audácia da Nouvelle Vague (algo bom), seja nos arrombos densos e intelectualizados de uma pretensa autoria (algo não tão bom).
“Cinzas do Passado” reúne todos esses elementos numa roupagem que, de início, passa a impressão que será a de um filme de artes marciais: E parece então que Kar-Wai vai antecipar em alguns anos o gesto de Ang Lee, em “O Tigre e O Dragão”: Um diretor de renome, mais relacionado à obras de seriedade temática fazendo um trabalho de gênero popular.
Mas essa primeira impressão logo se dissipa, para frustração de alguns: Na história descortinada pouco a pouco pela câmera irrequieta de Kar-Wai, acompanhamos o olhar quase subjetivo do dono de um bar instalado num longínquo deserto da China Antiga, ele próprio dono de um passado sofrido, que recebe, no transcorrer de seus dias e anos, uma série de visitantes trazidos por seu desejo de sangue, de vingança, e de justiça, muitas vezes provocados por uma desavença amorosa.
Suas histórias preenchem grande parte da narrativa, deixando claro que, embora seu diretor lance mão de uma ou outra seqüência em que os personagens se confrontam, não são, de modo algum, as lutas o cerne de seu filme (nesse sentido, suas cenas envolvendo artes marciais são mínimas).
É um cult extremamente artístico, rebuscado e artesanal. Datado de 1995, a cópia lançada em circuito comercial com a adição de palavra “Redux” é fruto de um trabalho de restauração movido por Kar-Way, que enxugou o material em aproximadamente 10 minutos em relação ao corte original, deixando bastante clara a importância pessoal que esse projeto tinha para ele.
Sua trama complexa, às vezes confusa, é uma dissertação carregada de dor sobre as mazelas de amor que impulsionam os personagens. Um tema que persegue o diretor por toda sua carreira.

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