sexta-feira, 31 de março de 2017

Quase Famosos

Não há como dissociar o diretor e roteirista Cameron Crowe de seu mais aclamado e (sem sombra de dúvidas) melhor filme: A obra-prima “Quase Famosos”.
Trata-se de um filme tão carregado de tintas pessoais e auto-biográficas (embora ele seja basicamente, uma obra de ficção), tão pontuado por particularidades íntimas e por um senso muito próprio de nostalgia, tão essencialmente agridoce na sua visão dos personagens e de suas tramas que tudo o que ele é, a rigor, se deve ao ser humano no qual seu realizador se tornou.
E nesse sentido –na evolução e mudança que se percebe em Cameron Crowe ao longo dos filmes que fez desde o início de sua carreira como cineasta, com “Que Digam O Que Quiserem”, até os dias de hoje –é, também, um filme que beneficiou-se do momento de maior, digamos, equilíbrio artístico da parte de Crowe.
A razão: Sempre um talentoso roteirista, atento às possibilidades da narrativa, Cameron Crowe sempre sinalizou em sua obra um interesse pela sinergia entre cinema e música, tão mais interessado se essa sinergia acompanhasse tramas de apelo romântico, nostálgico e afetivo.
Desse impulso surgiram trabalhos variados como o ótimo “Vida de Solteiro”, “Tudo Acontece Em Elizabethtown”, a comédia “Compramos Um Zoológico” e “Sob O Mesmo Céu”.
À medida que Crowe foi se consolidando como um grande realizador hollywoodiano (fato que o Oscar de Melhor Roteiro Original conquistado por “Quase Famosos” ajudou e muito a concretizar) seu controle sobre as produções que realizava foi se tornando mais abrangente e unilateral, e o romantismo deslavado que sempre o motivou foi ficando mais intenso, passando do ponto na opinião de alguns. Foi isso que acometeu alguns dos exageros prejudiciais de “Vanilla Sky” (trabalho dele imediatamente posterior a este), de “Elizabethtown” e... para falar a verdade, de quase todos os seus projetos desde então!
Pode-se dizer assim que havia uma essencial e saudável prudência em Crowe na época em que ele concebeu este filme –a julgar pelos trabalhos posteriores, se ele tivesse liberdade criativa incondicional, o filme seria bem mais longo, mais carregado de referências pop e muito mais cheio de cenas líricas e melodiosas. Do modo como está, ele é de um equilíbrio absolutamente notável: O estilo de Crowe nunca se sobrepõe ao conteúdo e, por conseguinte, o filme é extremamente criterioso para com a (excelente) história que conta.
“Quase Famosos” acompanha desde tenra idade o jovem William Miller (o absoluto alter-ego de Crowe, vivido nesta fase por Michael Anganaro) que, na transição dos anos 1960 para 1970 se descobre fascinado por música. Algo, contudo o incomoda: William, apesar de inteligente e precoce, é estranhamente menor do que os colegas de classe.
Na realidade, sua mãe superprotetora e ex-professora (a maravilhosa Frances McDormand) o fez pular dois anos no currículo escolar, ou seja, William tem, com a proximidade da formatura, dois anos sobrando em relação aos seus colegas.
E o que esse jovem (agora vivido pelo excelente Patrick Fugit) aficionado por escrita e apaixonado por rock n’ roll faz então?
Resolve usar esse tempo para, na condição de redator contratado da revista Rolling Stone, acompanhar a turnê de uma banda de rock, a Stillwater –uma banda fictícia criada especialmente para o filme, mas tão bem composta e personificada por seus integrantes que parece ser uma banda de verdade (vale lembrar que foi inspirada, entre outros grupos, no Led Zeppelin, de quem um ainda muito jovem Cameron Crowe conseguiu extrair uma entrevista naquela mesma época).
No processo, William aprenderá algumas das mais imprescindíveis lições sobre a vida: A conscientização profissional (uma das instruções mais ressonantes de seu mentor e amigo vivido brilhantemente por Phillip Seymour Hoffman é “Seja honesto e impiedoso!”), o aprendizado da ética (“Eles pegarão tudo o que amamos no rock e o destruirão!” é a frase que ele lembra quando fica claro que, para produtores picaretas como aquele vivido por Jimmy Fallon, o quê importa é o dinheiro e não a música) e a descoberta do amor (nas formas apaixonantes da bela Penny Lane –Kate Hudson, no grande papel de sua carreira e que, sabe lá Deus porquê, ela não ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante –uma ajudante de banda que, para a angústia e dualidade do jovem William, é obcecada pelo amigo dele, o guitarrista galã do Stillwater, interpretado pelo carismático Billy Crudup).
São tantos personagens e tantas coisas acontecendo ao longo do filme que é um verdadeiro milagre a harmonia emocional e narrativa que Crowe consegue com ele obter.
O texto é grande, mas necessário para ilustrar a importância singular que este filme muito especial tem para mim.

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