Não falta ao cinema exemplares eróticos em que um relacionamento de fortes tonalidades físicas é também uma espécie de jogo de poder. “9 ½ Semanas de Amor”. “O Último Tango Em Paris”. “O Império dos Sentidos”.
Em “Babygirl”, a cena que abre o filme da
diretora e roteirista Halina Reijn flagra a estrela Nicole Kidman, aos 57 anos,
em um cena de sexo num ângulo de câmera inusitado –trata-se de um início
atrevido para um filme que se propõe a uma sondagem pouco usual de uma relação
definida por submissão.
É curioso, portanto, que a personagem de
Nicole, Romy, seja uma mulher influente e empoderada em seu meio profissional (é
CEO de uma empresa de alta tecnologia), uma esposa e mãe dedicada (casada com o
personagem de Antonio Banderas) e que isso tudo se mostre uma fachada para as
predisposições que irão se revelar mais tarde –pois, ao conhecer Samuel (Harris
Dickinson, de “Triângulo da Tristeza”), um estagiário de sua empresa, Romy
inicia com ele um jogo que começa timidamente, quase ao acaso (ele a surpreende
controlando um cachorro que quase a ataca na rua), mas depois vai galgando
níveis mais íntimos, conforme vão se revelando as facetas submissas de Romy e as
tendências dominadoras de Samuel (justamente o oposto dos papéis que
desempenham no àmbito de trabalho), culminando em adultério.
Vencedora do Coppa Volpi 2024 de Melhor Atriz
no Festival de Veneza e indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz Dramática em
2025 (tendo perdido, inclusive, para Fernanda Torres por “Ainda Estou Aqui”),
Nicole Kidman compõe uma mulher cheia de nuances e contradições, ostentando o
primor e a desinibição que costumam caracterizar seus melhores trabalhos. Junto
dela, o jovem Harris Dickinson se sai magnificamente bem, criando um
contraponto misterioso, carismático e envolvente para a multi-facetada
protagonista, e enfatizando o brilhantismo dessa disputa velada, afetiva e
existencial de poder –é particularmente sensacional a cena em que ele dança
para a personagem de Nicole Kidman ao som da música “Father Figure”, de George
Michael.
Os diálogos, no roteiro da própria diretora,
absorvem a predisposição para a sondagem psicológica do cinema independente,
neles a relação que testemunhamos se construir entre Romy e Samuel, nunca surge
simplificada por expedientes de obviedade: Exemplo disso é a cena que
transcorre dentro do carro –ambos querem rejeitar um ao outro como forma de
estabelecer dominação, e ambos não conseguem fazê-lo, deixando no ar uma dúvida
perene sobre o quê, afinal de contas, eles estavam então conversando. É um
equilíbrio e um controle que, se não chega a ajudar o filme a atingir o status
de obra-prima, torna a experiência um tanto quanto notável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário