quinta-feira, 19 de junho de 2025

Babygirl


 Não falta ao cinema exemplares eróticos em que um relacionamento de fortes tonalidades físicas é também uma espécie de jogo de poder. “9 ½ Semanas de Amor”. “O Último Tango Em Paris”. “O Império dos Sentidos”.

Em “Babygirl”, a cena que abre o filme da diretora e roteirista Halina Reijn flagra a estrela Nicole Kidman, aos 57 anos, em um cena de sexo num ângulo de câmera inusitado –trata-se de um início atrevido para um filme que se propõe a uma sondagem pouco usual de uma relação definida por submissão.

É curioso, portanto, que a personagem de Nicole, Romy, seja uma mulher influente e empoderada em seu meio profissional (é CEO de uma empresa de alta tecnologia), uma esposa e mãe dedicada (casada com o personagem de Antonio Banderas) e que isso tudo se mostre uma fachada para as predisposições que irão se revelar mais tarde –pois, ao conhecer Samuel (Harris Dickinson, de “Triângulo da Tristeza”), um estagiário de sua empresa, Romy inicia com ele um jogo que começa timidamente, quase ao acaso (ele a surpreende controlando um cachorro que quase a ataca na rua), mas depois vai galgando níveis mais íntimos, conforme vão se revelando as facetas submissas de Romy e as tendências dominadoras de Samuel (justamente o oposto dos papéis que desempenham no àmbito de trabalho), culminando em adultério.

Vencedora do Coppa Volpi 2024 de Melhor Atriz no Festival de Veneza e indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz Dramática em 2025 (tendo perdido, inclusive, para Fernanda Torres por “Ainda Estou Aqui”), Nicole Kidman compõe uma mulher cheia de nuances e contradições, ostentando o primor e a desinibição que costumam caracterizar seus melhores trabalhos. Junto dela, o jovem Harris Dickinson se sai magnificamente bem, criando um contraponto misterioso, carismático e envolvente para a multi-facetada protagonista, e enfatizando o brilhantismo dessa disputa velada, afetiva e existencial de poder –é particularmente sensacional a cena em que ele dança para a personagem de Nicole Kidman ao som da música “Father Figure”, de George Michael.

Os diálogos, no roteiro da própria diretora, absorvem a predisposição para a sondagem psicológica do cinema independente, neles a relação que testemunhamos se construir entre Romy e Samuel, nunca surge simplificada por expedientes de obviedade: Exemplo disso é a cena que transcorre dentro do carro –ambos querem rejeitar um ao outro como forma de estabelecer dominação, e ambos não conseguem fazê-lo, deixando no ar uma dúvida perene sobre o quê, afinal de contas, eles estavam então conversando. É um equilíbrio e um controle que, se não chega a ajudar o filme a atingir o status de obra-prima, torna a experiência um tanto quanto notável.

Ao tratar de temas pertinentes e atuais como crise matrimonial, frigidez, assédio sexual, sororidade, fetichismo, libertinagem e conflitos sociais sobre a ótica feminina de uma diretora mulher –prática que, felizmente, está se tornando cada vez mais comum na indústria –“Babygirl” expõe uma situação complexa e real com propriedade e uma sensibilidade inédita.

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