O bardo William Shakespeare foi quem estabeleceu a mais perfeita fórmula para uma história de amor em “Romeu & Julieta” –um casal avassaladoramente apaixonado e, entre a consumação desse amor, o mais virtual dos obstáculos que a ficção seja capaz de conceber. Levando essa lição à risca, os hábeis realizadores desta primeira animação sul-coreana exclusiva da Netflix deram um passo além, impondo as mais impressionantes barreiras físicas, existenciais, metafísicas e sentimentais a separar o casal de amantes neste comovente conto sobre resiliência, vínculos de afeto e objetivos de vida, o que acaba lembrando um pouco o igualmente comovente “Your Name”.
Ambientada num futuro próximo (com elementos
tecnológicos inventivos interferindo no cotidiano dos personagens), a trama
mostra que a jovem e aplicada Nan-young não somente sonha em ser uma das astronautas
enviadas para uma missão em Marte, mas também leva consigo toda uma história
não resolvida: A mal-fadada missão anterior à Marte culminou numa tragédia que
obrigou sua mãe (outrora, uma famosa astronauta no passado) a ser deixada lá
para definhar. A vida profissional de Nan-Young, portanto, não se resume apenas
a dar o seu melhor e conquistar o respeito de seus pares; ela precisa também
honrar e, na medida do possível, se sobressair em relação ao legado da própria
mãe.
Por outro lado, Nan-Young conhece Jay, um jovem
funcionário de uma deslocada loja de consertos para radios e vitrolas vintage –e é ao requisitar suas
habilidades para recuperar um toca-discos que foi de sua mãe que Nan-Young e
Jay se encontram.
Aos poucos, a medida que o relacionamento entre
os dois se aprofunda, Nan-young descobre que Jay foi o vocalista de uma banda
no passado (e, na realidade, é o cantor misterioso de uma música pela qual
Nan-young foi obcecada por anos!) e que, por atribulações de ordem emocional
deixou de lado esse talento que ele desempenhava tão bem, e que lhe preenchia a
existência.
Apaixonados um pelo outro, Nan-young e Jay
precisam lidar com o fato de que, de repente, Nan-young é escolhida de uma hora
para outra para integrar a nova missão para Marte. O que lhes afastará por
algum tempo, talvez, anos! E ainda por uma distância tão intransponível quanto
inconcebível.
Mais que isso: Em algum momento dessa tortuosa
jornada emocional e física, Nan-young irá correr um grande perigo (numa
referência bastante nítida à “Perdido Em Marte”), o que poderá condená-la,
ironicamente, ao mesmo destino fatídico que foi reservado à sua mãe, no mesmo
momento em que Jay, desolado pela ausência dela, vai enfim enfrentar seus
próprios demônios (incentivado pelo exemplo da própria Nan-young) e tentar
cantar uma vez mais em público.
Composto de um aparato visual que assombra e
deslumbra do início ao fim (a técnica desta animação sul-coreana, ainda que de
traços próprios e originais, tem muitos mais a ver com a animação japonesa do
que com Walt Disney), “Separados Pelas Estrelas”, no seu mergulho irrestrito no
romantismo e nas idas e vindas dramáticas dos assuntos do coração, se firma,
desde o princípio como uma obra pouco apetecível ao público infantil –no entanto,
a emoção incontornável embutida em sua premissa, e a forma intoxicante com que
atinge uma série de notas hiperlativas em muitos de seus momentos-clímax o
tornam um trabalho abrangente, emotivo e arrebatador para quase todos os
públicos.
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