sábado, 14 de junho de 2025

Separados Pelas Estrelas


 O bardo William Shakespeare foi quem estabeleceu a mais perfeita fórmula para uma história de amor em “Romeu & Julieta” –um casal avassaladoramente apaixonado e, entre a consumação desse amor, o mais virtual dos obstáculos que a ficção seja capaz de conceber. Levando essa lição à risca, os hábeis realizadores desta primeira animação sul-coreana exclusiva da Netflix deram um passo além, impondo as mais impressionantes barreiras físicas, existenciais, metafísicas e sentimentais a separar o casal de amantes neste comovente conto sobre resiliência, vínculos de afeto e objetivos de vida, o que acaba lembrando um pouco o igualmente comovente “Your Name”.

Ambientada num futuro próximo (com elementos tecnológicos inventivos interferindo no cotidiano dos personagens), a trama mostra que a jovem e aplicada Nan-young não somente sonha em ser uma das astronautas enviadas para uma missão em Marte, mas também leva consigo toda uma história não resolvida: A mal-fadada missão anterior à Marte culminou numa tragédia que obrigou sua mãe (outrora, uma famosa astronauta no passado) a ser deixada lá para definhar. A vida profissional de Nan-Young, portanto, não se resume apenas a dar o seu melhor e conquistar o respeito de seus pares; ela precisa também honrar e, na medida do possível, se sobressair em relação ao legado da própria mãe.

Por outro lado, Nan-Young conhece Jay, um jovem funcionário de uma deslocada loja de consertos para radios e vitrolas vintage –e é ao requisitar suas habilidades para recuperar um toca-discos que foi de sua mãe que Nan-Young e Jay se encontram.

Aos poucos, a medida que o relacionamento entre os dois se aprofunda, Nan-young descobre que Jay foi o vocalista de uma banda no passado (e, na realidade, é o cantor misterioso de uma música pela qual Nan-young foi obcecada por anos!) e que, por atribulações de ordem emocional deixou de lado esse talento que ele desempenhava tão bem, e que lhe preenchia a existência.

Apaixonados um pelo outro, Nan-young e Jay precisam lidar com o fato de que, de repente, Nan-young é escolhida de uma hora para outra para integrar a nova missão para Marte. O que lhes afastará por algum tempo, talvez, anos! E ainda por uma distância tão intransponível quanto inconcebível.

Mais que isso: Em algum momento dessa tortuosa jornada emocional e física, Nan-young irá correr um grande perigo (numa referência bastante nítida à “Perdido Em Marte”), o que poderá condená-la, ironicamente, ao mesmo destino fatídico que foi reservado à sua mãe, no mesmo momento em que Jay, desolado pela ausência dela, vai enfim enfrentar seus próprios demônios (incentivado pelo exemplo da própria Nan-young) e tentar cantar uma vez mais em público.

Composto de um aparato visual que assombra e deslumbra do início ao fim (a técnica desta animação sul-coreana, ainda que de traços próprios e originais, tem muitos mais a ver com a animação japonesa do que com Walt Disney), “Separados Pelas Estrelas”, no seu mergulho irrestrito no romantismo e nas idas e vindas dramáticas dos assuntos do coração, se firma, desde o princípio como uma obra pouco apetecível ao público infantil –no entanto, a emoção incontornável embutida em sua premissa, e a forma intoxicante com que atinge uma série de notas hiperlativas em muitos de seus momentos-clímax o tornam um trabalho abrangente, emotivo e arrebatador para quase todos os públicos.

A maneira com que a animação mescla a música (em alusão à profissão do personagem principal) à sua narrativa é algo ímpar –e não tem absolutamente nada a ver com os números musicais que abarrotam animações e filmes de romance desde o início dos tempos.

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