quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O Império dos Sentidos

A partir de um estarrecedor caso real registrado no Japão, o diretor Nagisa Oshima compôs este filme notável que, ao lado de "O Último Tango Em Paris" de Bernardo Bertolucci, chocou as platéias dos anos 1970 com sua despudorada mescla de cenas de sexo explícito e dramaturgia de verdade.
Sobre muitos aspectos, o filme contrapõe o registro escandaloso e intenso de uma relação definida pelo seu apetite sexual à um estudo sutil sobre os pulsos e impulsos do poder –o poder que os homens exercem sobre as mulheres, e o poder que as mulheres exercem sobre os homens; e que, inadvertidamente, resvala em tensão sexual.
A prostituta Sada (a bela e esguia Eiko Matsuda), em meados do início do Século XX, no Japão, tem uma noção subconsciente desse poder que ela –como uma agente assumida do sexo –é capaz de usar, como fica claro na cena em que ela surpreende e subjuga os apelos de um velho mendigo em plena rua (essa cena também já deixa bem evidente para o expectador os limites amplos que a encenação de Oshima, e a entrega de seu elenco –sobretudo, sua atriz –estarão prestes a atingir).
A trama se descortina, de início, com sucessivas seqüências banais, que estabelecem um estranho ritmo e atmosfera –tudo parte da arrojada técnica que o diretor emprega. Quando o expectador menos esperar, a premissa básica já se desenha a sua frente, na forma de uma narrativa que mescla com ineditismo pulsante o verniz corriqueiro do registro da rotina com um intimismo crescente, intransigente e implacável: Logo, Sada termina por conhecer Kichizo (Tatsuya Fuji), um homem casado, senhor de uma propriedade na qual Sada, ao deixar a vida de prostituição vai servir como empregada.
Não significa que, em sua vocação visível para a atividade sexual, Sada quis abandonar tal vida: Ela enxergou em Kichizo o único parceiro que desejava manter para o resto da vida.
Atraídos assim por uma avassaladora paixão física e emocional, essa jovem ex-prostituta e esse homem de negócios casado, experimentam sucessivas e contínuas experiências sexuais que flertam cada vez mais com o perigo.
A narrativa de Oshima justapõe, dessa forma, as maneiras com que o sexo promove uma constante alternância de poder entre os dois: Kichizo é, de início, o parceiro dominante; é ele quem estipula a intensidade de seus encontros e o grau de inclinação para possíveis perversões. Contudo, a submissão de Sada o desabilita; ela aceita tudo e ele não tem, por isso mesmo, porque exercer sua dominação. A aceitação dela, aos poucos, incorpora a aceitação dele próprio, e logo é a personalidade de Sada que acaba se refletindo no relacionamento, com facetas cada vez mais disformes da realidade –embora, esse fato passe despercebido aos amantes, para sua própria ruína: Afinal, a associação do ato do prazer com a morte lhes cobrará um preço caro.
O resultado do vislumbre de tal história almejado por Nagisa Oshima é plasticamente belo, competente em quase todos os aspectos técnicos, e se presta, como obra de arte, a inúmeras e diversas interpretações.

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