Talvez, a obra-prima de Bernardo Bertolucci,
este trabalho, em várias instâncias pertence ao seu tempo: Os anos 1970, quando
um filme libertário e controverso podia encontrar respaldo, reconhecimento, e
recursos para se deixar existir, quando a arte era vista de outra forma, e não
haviam abismos a separar o cinema comercial do cinema autoral, e um astro do
calibre de Marlon Brando era capaz de comparecer num projeto dessa audácia, ao
mesmo tempo em que marcava presença numa obra como “O Poderoso Chefão”.
O sexo era um tema muito perseguido por
Bertolucci naqueles tempos, visto o modo como esse fator surgia com importância
e pertinência em trabalhos como “La Luna” e “O Conformista”, talvez uma tênue
herança de seu conterrâneo, o transgressivo Píer Paolo Passolini, que ele
sempre afirmou ser um de seus mentores.
Na trama que Bertolucci desnubla sem intenção
de entregar todos os detalhes (e deixar campo aberto à sugestão), encontramos o
personagem de Brando, nas ruas de Paris, entregue a uma angústia sem fim –sua
esposa, descobriremos mais tarde, se suicidou. Seu caminho cruza por acaso com
o de Jeanne (uma angelical Maria Schneider), uma jovem cujo relacionamento algo
superficial com o noivo a leva a experimentar um vazio existencial muito
parecido. Os dois se encontram num apartamento vago e logo identificam –sem
trocar maiores informações –a angústia um do outro. A conseqüência disso é o
sexo que irão praticar compulsivamente nas semanas seguintes, estabelecendo uma
condição por meio da qual não irão revelar seus nomes, mas se manterão
disponíveis para o extravasamento de instintos primais mútuos: O quê inclui a
famigerada “cena da manteiga”, na qual, enquanto declama um contextualmente
hediondo discurso sobre as normas da família, Brando utiliza um naco de
manteiga como lubrificante anal durante a sodomia de uma aflita Maria
Schneider.
Mas, na gramática pouco realista que dialoga a
situação estabelecida pelos amantes, essas sublimações do sentimento há de
mudar –sobretudo, no que tange ao personagem de Brando, que altera algumas de
suas convicções até o final (e, por conseqüência, o faz também com a personagem
de Schneider).
Catalisador dessa mudança, é o momento em que
eles tentam uma desastrosa e anárquica tentativa de interação com outras
pessoas, numa caótica dança de tango.
A sedução, e o mistério que a fazia fascinante
começam a se desvanecer ali e conduzem os personagens à cena atroz que encerra
o filme, envolta na música primordial, lasciva e hipnótica de Gato Barbieri,
quando os protagonistas do filme voltam, cada um, à condição de seus
respectivos pares: Marlon Brando, tal como sua esposa, morre; e Maria Schneider
aceita a mentira que é seu noivado, ensaiando como contará uma nova mentira ao
explicar o cadáver em seu apartamento.
Um momento, entre tantos,
que ilustram o estado de graça em que se achava o apuro artístico de Bertolucci,
e que ele soube executar neste filme como ninguém.
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