sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O Último Tango Em Paris

Talvez, a obra-prima de Bernardo Bertolucci, este trabalho, em várias instâncias pertence ao seu tempo: Os anos 1970, quando um filme libertário e controverso podia encontrar respaldo, reconhecimento, e recursos para se deixar existir, quando a arte era vista de outra forma, e não haviam abismos a separar o cinema comercial do cinema autoral, e um astro do calibre de Marlon Brando era capaz de comparecer num projeto dessa audácia, ao mesmo tempo em que marcava presença numa obra como “O Poderoso Chefão”.
O sexo era um tema muito perseguido por Bertolucci naqueles tempos, visto o modo como esse fator surgia com importância e pertinência em trabalhos como “La Luna” e “O Conformista”, talvez uma tênue herança de seu conterrâneo, o transgressivo Píer Paolo Passolini, que ele sempre afirmou ser um de seus mentores.
Na trama que Bertolucci desnubla sem intenção de entregar todos os detalhes (e deixar campo aberto à sugestão), encontramos o personagem de Brando, nas ruas de Paris, entregue a uma angústia sem fim –sua esposa, descobriremos mais tarde, se suicidou. Seu caminho cruza por acaso com o de Jeanne (uma angelical Maria Schneider), uma jovem cujo relacionamento algo superficial com o noivo a leva a experimentar um vazio existencial muito parecido. Os dois se encontram num apartamento vago e logo identificam –sem trocar maiores informações –a angústia um do outro. A conseqüência disso é o sexo que irão praticar compulsivamente nas semanas seguintes, estabelecendo uma condição por meio da qual não irão revelar seus nomes, mas se manterão disponíveis para o extravasamento de instintos primais mútuos: O quê inclui a famigerada “cena da manteiga”, na qual, enquanto declama um contextualmente hediondo discurso sobre as normas da família, Brando utiliza um naco de manteiga como lubrificante anal durante a sodomia de uma aflita Maria Schneider.
Mas, na gramática pouco realista que dialoga a situação estabelecida pelos amantes, essas sublimações do sentimento há de mudar –sobretudo, no que tange ao personagem de Brando, que altera algumas de suas convicções até o final (e, por conseqüência, o faz também com a personagem de Schneider).
Catalisador dessa mudança, é o momento em que eles tentam uma desastrosa e anárquica tentativa de interação com outras pessoas, numa caótica dança de tango.
A sedução, e o mistério que a fazia fascinante começam a se desvanecer ali e conduzem os personagens à cena atroz que encerra o filme, envolta na música primordial, lasciva e hipnótica de Gato Barbieri, quando os protagonistas do filme voltam, cada um, à condição de seus respectivos pares: Marlon Brando, tal como sua esposa, morre; e Maria Schneider aceita a mentira que é seu noivado, ensaiando como contará uma nova mentira ao explicar o cadáver em seu apartamento.
Um momento, entre tantos, que ilustram o estado de graça em que se achava o apuro artístico de Bertolucci, e que ele soube executar neste filme como ninguém.

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