Quando vemos Travis (Harry Dean Stanton,
brilhante) pela primeira vez, nossa reação é exatamente aquela almejada pelos
realizadores: Ele parece tão sujo, decadente, desregrado e miserável que sequer
dá pra acreditar que seja o protagonista da história.
Mas é: Por meio de breves seqüências, descobrimos
que seu irmão, Walt (Dean Stockwell) o procura a muito tempo.
Ele e a esposa, nesse ínterim, criaram Alex, o
filho pequeno que Travis deixou para trás.
O diretor Win Wenders, em seu nítido e natural
fascínio em filmar em solo americano, ergue uma atmosfera de mistério em torno
dos nebulosos fatores que levaram Travis a se tornar a sombra de si mesmo que
vimos no início, e o clima muito particular obtido pela trilha sonora pontuada
de tristeza de Ry Cooder é, nesse sentido, inestimável.
O roteiro –escrito pelo ator e dramaturgo Sam
Shepard –é econômico em oferecer pistas desse ocorrido: E os detalhes que ele
mais prorroga são aqueles que cercam a esposa de Travis e mãe do menino, Jane
(interpretada, como descobriremos mais tarde, pela acachapante Nastassia Kinski).
E aí está, nela própria, um pequeno indício da
gênese de toda a tragédia que define o filme (ainda que, também isso, venha
envolto numa névoa de discernimento): O que possivelmente arremessou Travis
naquele calvário de onde levou anos para sair foram as atribulações inevitáveis
e imprevistas de um matrimônio entre um homem feio e comum e uma mulher linda e
extraordinária.
É, portanto, sobre as
conseqüências mal-fadadas do amor que o drama intimista de Win Wenders se
debruça. Ele conta essa história de resgate afetivo por meio único e exclusivo
das mais sedutoras imagens que sua câmera é capaz de captar –inclusive algumas
das obsessões visuais do diretor como televisores, imagens capturadas por câmeras
e luzes de néon, com a tecnologia servindo de intermédio cada vez mais
determinante nas relações humanas. Dito isso, a cena do reencontro de Travis
com Jane, ela separada dele por um vidro espelhado, é além de tudo um exercício
espetacular de voyeurismo e justaposição dramática e visual, graças à
sensibilidade da fotografia de Robby Muller.
Belas palavras , porém acredito que economizou nelas, pois está tratando de um dos maiores filmes da década de 80. Lembro a fascinação que tinha pela ficha técnica (revista SET) do filme, em um tempo que não existia a internet, muito mesmo o streaming, época em que o acervo das locadoras era o único refugio para cinéfilos. Essa fascinação me levou a ver outros filmes da Kinski, até esse sentimento ser consumido por outros exemplares e me trazendo a não priorizar o filme , na era da informação farta. Porém "antes tarde que nunca", sou sincero a dizer; vi tardiamente (2023, 39 anos após de seu lançamento) e não tenho orgulho de ter demorando tanto, pois essa não é uma simples experiência da sétima arte, sim um deleite a um banquete imenso da melhores iguarias já criadas no decorrer de décadas, um filme belíssimo tanto visualmente como dramaticamente falando, completo em sua narrativa cruel e misteriosa , ao mesmo tempo confortante e bela como em um abraço em quem gostamos/amamos. Obrigatório a qualquer pessoa da face da terra.
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