domingo, 7 de agosto de 2016

Clube da Luta

Houve um abalo sísmico no mundo do cinema como o conhecemos quando David Fincher lançou sua adaptação da audaciosa obra de Chuck Palaniuk: O filme que ele entregou revelou-se uma produção tão raivosa, tão carregada de tendência e perigo que à época (1999) até se cogitou o retorno da tenebrosa censura, em substituição à classificação indicativa (e não ajudou muito o fato de um estudante numa sessão do filme em São Paulo ter disparado tiros contra a platéia). O filme também mostrou um cineasta tão singular quanto um dos grandes como Stanley Kubrick, criando um trabalho praticamente à frente de seu tempo, na forma como introduzia, com flagrante espontaneidade novas direções narrativas, e moldava uma obra que, nos anos que se seguiram, não só revelou-se indicativa plena de seu tempo, como foi meio profética na maneira como antecipou novos meios de fóruns de discussão.
“Clube da Luta”, o livro, era ele próprio um dos grandes textos da atualidade e um quase manifesto contra os paradigmas arraigados do sistema capitalista. O livro encontrou em Fincher (vindo de três produções: O tumultuado “Alien 3”, o magnífico “Seven-Os Sete Crimes Capitais” e o notável “Vidas Em Jogo”) um realizador perfeito para materializar em imagens o conteúdo corrosivo e ousado de suas páginas.
No filme e no livro nos tornamos testemunhas da jornada de um infeliz empregado de uma grande empresa de seguros (Edward Norton, brilhante) cuja vida é transformada quando conhece Tyler Durden (Brad Pitt, igualmente surpreendente), outro rapaz rebelde e excêntrico, com quem acaba indo morar numa casa decadente. Juntos, acabam fundando o Clube da Luta, uma espécie de sociedade secreta onde homens se enfrentam a socos em porões e lugares escondidos. Em pouco tempo, o Clube se torna uma febre se espalha pelo país adquirindo centenas de adeptos, e tornando-se algo perigoso para a civilização vigente.
Cult subversivo, anárquico e profundo, este trabalho do diretor David Fincher é, até hoje, uma obra que desafia o expectador; de uma violência transgressora e, não raro, avassaladora, ele gera um efeito de choque, por meio do qual visa o gatilho de sua reflexão, uma reflexão pertinente e ousada sobre as profundas e insolúveis angústias da geração dos anos 90, sobretudo os homens, sobre a misoginia (e a autocracia) que surge a partir da postura do radicalismo, sobre a tendência humana ao existencialismo e a um injustificável vazio (ainda que ele contenha fortes sugestões de que esse vazio surge a partir da negação de nossos instintos mais verdadeiros e selvagens), embora esses questionamentos todos fiquem, em diversos e magistrais momentos, abertos a infinitas interpretações, ou até mesmo à contradições.

Ao carregar seu trabalho com uma miríade de informações, muitas das quais só serão percebidas depois da segunda ou terceira vez que se assisti-lo, Fincher concebeu um filme que é, ele próprio um tratado cinematográfico, um registro ímpar da ansiedade humana por meio da verve de um autor incomum, com muita coisa a dizer, e uma obra de cinema plena, desses à serem estudados, esmiuçados e analisados nos anos por vir.

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