Houve um abalo sísmico no mundo do cinema como
o conhecemos quando David Fincher lançou sua adaptação da audaciosa obra de
Chuck Palaniuk: O filme que ele entregou revelou-se uma produção tão raivosa,
tão carregada de tendência e perigo que à época (1999) até se cogitou o retorno
da tenebrosa censura, em substituição à classificação indicativa (e não ajudou
muito o fato de um estudante numa sessão do filme em São Paulo ter disparado
tiros contra a platéia). O filme também mostrou um cineasta tão singular quanto
um dos grandes como Stanley Kubrick, criando um trabalho praticamente à frente
de seu tempo, na forma como introduzia, com flagrante espontaneidade novas
direções narrativas, e moldava uma obra que, nos anos que se seguiram, não só
revelou-se indicativa plena de seu tempo, como foi meio profética na maneira
como antecipou novos meios de fóruns de discussão.
“Clube da Luta”, o livro, era ele próprio um
dos grandes textos da atualidade e um quase manifesto contra os paradigmas
arraigados do sistema capitalista. O livro encontrou em Fincher (vindo de três
produções: O tumultuado “Alien 3”, o magnífico “Seven-Os Sete Crimes Capitais”
e o notável “Vidas Em Jogo”) um realizador perfeito para materializar em
imagens o conteúdo corrosivo e ousado de suas páginas.
No filme e no livro nos tornamos testemunhas da
jornada de um infeliz empregado de uma grande empresa de seguros (Edward
Norton, brilhante) cuja vida é transformada quando conhece Tyler Durden (Brad
Pitt, igualmente surpreendente), outro rapaz rebelde e excêntrico, com quem
acaba indo morar numa casa decadente. Juntos, acabam fundando o Clube da Luta,
uma espécie de sociedade secreta onde homens se enfrentam a socos em porões e
lugares escondidos. Em pouco tempo, o Clube se torna uma febre se espalha pelo
país adquirindo centenas de adeptos, e tornando-se algo perigoso para a
civilização vigente.
Cult subversivo, anárquico e profundo, este
trabalho do diretor David Fincher é, até hoje, uma obra que desafia o
expectador; de uma violência transgressora e, não raro, avassaladora, ele gera
um efeito de choque, por meio do qual visa o gatilho de sua reflexão, uma
reflexão pertinente e ousada sobre as profundas e insolúveis angústias da
geração dos anos 90, sobretudo os homens, sobre a misoginia (e a autocracia)
que surge a partir da postura do radicalismo, sobre a tendência humana ao
existencialismo e a um injustificável vazio (ainda que ele contenha fortes
sugestões de que esse vazio surge a partir da negação de nossos instintos mais
verdadeiros e selvagens), embora esses questionamentos todos fiquem, em
diversos e magistrais momentos, abertos a infinitas interpretações, ou até
mesmo à contradições.
Ao carregar seu trabalho com uma miríade de
informações, muitas das quais só serão percebidas depois da segunda ou terceira
vez que se assisti-lo, Fincher concebeu um filme que é, ele próprio um tratado
cinematográfico, um registro ímpar da ansiedade humana por meio da verve de um
autor incomum, com muita coisa a dizer, e uma obra de cinema plena, desses à
serem estudados, esmiuçados e analisados nos anos por vir.
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