quarta-feira, 7 de março de 2018

Valente

No ano de 2012, o público pode conferir uma curiosa inversão de conceitos: Enquanto o departamento de animação da Disney entregou uma aventura sobre o mundo dos videogames nos moldes criativos de “Toy Story” (o ótimo “Detona Ralph”), a Pixar, por sua vez, imbricou numa trama protagonizada por uma princesa –tradição mor dos estúdios de animação de Walt Disney.
A Pixar, no entanto, não dá ponto sem nó e faz da princesa retratada aqui, a indomável e inquieta Merida, uma enérgica protagonista feminina que em muito lembra a personagem Katniss Everdeen do sucesso "Jogos Vorazes" –até mesmo arco e flecha ela manuseia.
Já a trama passeia pela dubiedade de emoções e conceitos que normalmente predomina naqueles trabalhos; aqui num tom notadamente contido, como se fosse intenção de todos emular um estilo mais clássico de contos de fadas, sem muitos arroubos de imprevisibilidade: Desde muito pequena, a jovem Merida nunca, nem de longe, se conformou com o papel de típica princesinha escosesa do reino em que nasceu.
Para desespero de sua mãe, a Rainha Elinor (que vem com a voz de Emma Thompson), Merida é decidida, petulante, gosta de cavalgar e praticar arcoaria, e não gosta nem um pouco das obrigações palacianas reais a que é submetida –ela, deveras, veio mais ao jeito do pai, o rei espalhafatoso, rude e sem modos, do que da mãe, atenta às minúcias, educada e prendada.
Merida quer a liberdade para viver a vida como ela deseja. Sua mãe quer fazê-la entender que está numa idade crucial em que as obrigações vão pesar sobre as vontades. A já conflituosa relação das duas piora ainda mais diante do fato de que três príncipes esquisitões –que Merida nunca chegou a conhecer –irão disputar sua mão em casamento num torneio.
A fim de evitar esse indesejado destino, ela apela para os feitiços de uma velha bruxa obcecada com ursos (!) –uma personagem que os realizadores, em sua grandeza de espírito, evitam com habilidade transformar na vilã da história.
Merida quer um feitiço que faça sua mãe mudar de idéia –e pensa tê-lo obtido quando dela recebe um doce encantado, o qual ela logo serve à mãe. Contudo, o que acontece é completamente inesperado, e passa a ameaçar a felicidade e a segurança de todos: A mãe de Merida vira, ela própria um urso –justamente o animal pelo qual o rei nutre ódio irracional deste que perdeu para um a própria perna durante uma caçada.
Mais: No papel de rainha –e, portanto, gerenciadora do lar –era a mãe de Merida quem mantinha o marido e os três governantes dos reinos vizinhos numa circunstância de trégua e camaradagem; sem ela por perto, as nefastas guerras de que falam as lendas ameaçam voltar.
Menos surpreendente na comparação com seus pares justamente pela proposta a que o estúdio se prestou, “Valente” alcança seu objetivo mantendo um patamar satisfatório de qualidade, entregando uma ótima e sólida protagonista ladeada por coadjuvantes bem motivados e inserida numa trama redonda e equilibrada –existem muitos longa-metragens que passam bem longe que conquistar tudo isso.

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