quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

O Piano

Consagração da diretora neo-zelandesa Jane Campion no Festival de Cannes –cuja Palma de Ouro ela dividiu com o chinês “Adeus, Minha Concubina” –este drama árido, áspero e contundente proporcionou o Oscar de Melhor Atriz para Holly Hunter que emprega maestria no papel da muda Ada, e Melhor Atriz Coadjuvante para a surpreendente (e ainda bem novinha) Anna Paquim.
“O Piano” não é um filme feito para agradar o expectador. Não busca entretê-lo com romances idealizados, nem tampouco se revela previsível ou mesmo confortável.
A persistente sensação de ar rarefeito que contamina toda a narrativa do início ao fim remete às impressões da própria protagonista quando ela chega àquela longínqua, chuvosa e inóspita ilha da Austrália, onde conhecerá, ao lado da filha pequena (Paquim) o seu marido num casamento já arranjado. Não há nada de convidativo no lugar. E a perspectiva de vida que ela observa ali não parece reservar espaço para a felicidade ou a satisfação. Tudo o que Ada trouxe foi seu piano que ela tinha o hábito de tocar. E mesmo isso ela será obrigada a deixar para trás: Existem complicações demais para levar, a ela e à filha, da praia onde aportaram até a aldeia onde vão viver através das selvas ermas, frias e úmidas para transportar um trambolho como aquele.
O marido de Ada, Alisdair (Sam Neil), embora faça o possível para mostrar-se afável não atende seu pedido. É George (Harvey Keitel), um dos trabalhadores do local quem irá trazer o piano para a aldeia, após comprá-lo de Alisdair.
Entretanto, para ter um piano é necessário tocá-lo, ou no mínimo, ter alguém por perto que o faça. Eis então, a justificativa perfeita para ter a arredia Ada próxima dele.
Entre aulas de piano cada vez mais abusivas da parte dele e angustiantes da parte dela –que tenta negociar o direito de usar o piano com a permissão forçada de deixá-lo extrapolar seus limites –a diretora Campion ousa vislumbrar uma história de amor: Tão paradoxal quanto a protagonista que não faz um único ruído, mas que é fascinada pelo piano que emite música, acaba sendo também o ato libidinoso que detona uma paixão improvável. Fruto certamente da excitação em ser proibido, o rubor dos encontros de Ada e George culmina num adultério. E Jane Campion emprega uma sensibilidade feminina para especular sobre os sentimentos de repúdio e asco pelo abusador que o ambiente rude, distanciado e deprimente permite que se transformem em ardente atração.
Dona de perfeita noção de tragédia, Campion orquestra os detalhes por meio dos quais Alisdair irá se dar conta da traição da mesma forma que manipulou os elementos que fizeram Ada e George consumar sua atração. E a união de todas essas pontas soltas conduz à intensidade dramática que impera na meia hora final.
Jane Campion é fascinada, obcecada até, pela pureza que brota da adversidade –esse é, à rigor, o mote de cada um de seus trabalhos –aqui, a descoberta dessa pureza se dá pelo curioso uso simbólico do piano, objeto que surge como pivô das duas grandes mudanças na história de Ada: Na primeira, como o pretexto plausível para seus encontros com George, e na segunda, como simbolismo para a mudança que a própria Ada abraça em sua vida quando ao fim ela o deixa submergir nas águas no instante em que parte embora da aldeia. Sem muita sutileza, Campion deixa bem claro que uma parte de Ada morreu ali.
Um sacrifício da protagonista na busca por seu próprio final feliz.

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