terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Philomena

Baseado em uma história real, “Philomena” foi um dos filmes indicados ao Oscar 2014 de Melhor Filme, ano que teve como vencedor “12 Anos de Escravidão”. Trata-se de um dos grandes trabalhos do diretor Stephen Frears e um dos três que ele realizou com a grande dama Judi Dench (os outros foram o divertido “Sra. Henderson Apresenta” e o mais recente “Victoria e Abdul”).
A trama se debruça sobre a dramática trajetória da irlandesa Philomena Lee (amparada numa interpretação primordial de Judi Dench), mas se descortina de fato por meio do personagem Martin Sixsmith, vivido pelo comediante Steve Coogan (que também trabalha como roteirista).
Um ex-jornalista desacreditado e desiludido por recentes complicações profissionais, Sixsmith recebe uma pouca lisonjeira proposta para tentar se manter relevante: Escrever uma história de “interesse humano” –nas palavras da voraz editora que o aborda (Michelle Fairley, a Catelin da série “Game of Thrones”).
A história que vem até ele –quase que por acaso –vem a ser de uma senhora chamada Philomena Lee (vivida quando moça pela jovem Sophie Kennedy Clark), cuja juventude foi marcada por um sofrimento desigual: Antes de completar 18 anos, ela foi seduzida por um namoradinho que a engravidou, e assim enviada à um convento onde, após dar a luz (num parto doloroso onde lhe foi negado o direito à anestesia), ela e outras jovens mães solteiras recebiam um tratamento desumano. Eram mantidas afastadas dos filhos (que aguardavam adoções eventuais) enquanto trabalhavam em regime escravo para as inclementes freiras do lugar.
Perdendo qualquer contato com seu filho, Anthony, quando ele ainda contava apenas dois anos de idade, após ser adotado por um casal norte-americano, Philomena passou cinqüenta anos sem ter qualquer idéia de seu destino, até Martin Sixsmith cruzar seu caminho.
Inicialmente a contragosto, ele vai guiando Philomena pelos caminhos obscuros de uma investigação que, em sua simplicidade, ela não era capaz de fazer sozinha. Sixsmith se dá conta assim da reprovável postura que as freiras adotavam para com aquelas jovens renegadas pelas famílias, e constata, atônito, os muitos atos lúgubres e ultrajantes acobertados até hoje na Igreja Católica.
Seguindo para os EUA, ele e Philomena buscam seguir a pista para encontrar o filho dela, o quê os leva para Washington onde descobrem quem ele se tornou –as discriminações e os aspectos da vida que viveu.
Experiente e perspicaz como poucos, o diretor Frears faz da narrativa de “Philomena” uma sucessão de contrapontos: Ele justapõe o sofrimento da protagonista ao seu comportamento benevolente e misericordioso (inclusive para com suas algozes); justapõe a denúncia que esse fato real se presta a fazer (e que abrange tantas outras pessoas que também sofreram) à jornada íntima da personagem principal; a própria Igreja –personifica nas freiras francamente arrogantes e detestáveis –e a condição de drama humano gerada por seus procedimentos passados; e, sobretudo, justapõe Sixsmith e a própria Philomena, na forma como cada um lida com as revelações que vão surgindo, em especial no desfecho, quando uma curiosa guinada parece exigir de Sixsmith (um homem ateu, plenamente culto e consciente de seu poder de entendimento) o perdão que sua indignação para com as injustiças o torna incapaz de conceder, enquanto que a velha Philomena (uma mulher idosa, não raro, mostrada pelo roteiro como alguém simples, ignorante e de conclusões freqüentemente obtusas) o faz com uma serenidade tal que a eleva.
“Philomena”, no fim das contas, é sobre isso: Os percalços imprevisíveis e odiosos da vida e do mundo que vêm para testar nossa capacidade de perdoar.

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