Baseado em uma história real, “Philomena” foi
um dos filmes indicados ao Oscar 2014 de Melhor Filme, ano que teve como
vencedor “12 Anos de Escravidão”. Trata-se de um dos grandes trabalhos do
diretor Stephen Frears e um dos três que ele realizou com a grande dama Judi
Dench (os outros foram o divertido “Sra. Henderson Apresenta” e o mais recente
“Victoria e Abdul”).
A trama se debruça sobre a dramática trajetória
da irlandesa Philomena Lee (amparada numa interpretação primordial de Judi
Dench), mas se descortina de fato por meio do personagem Martin Sixsmith,
vivido pelo comediante Steve Coogan (que também trabalha como roteirista).
Um ex-jornalista desacreditado e desiludido por
recentes complicações profissionais, Sixsmith recebe uma pouca lisonjeira
proposta para tentar se manter relevante: Escrever uma história de “interesse
humano” –nas palavras da voraz editora que o aborda (Michelle Fairley, a
Catelin da série “Game of Thrones”).
A história que vem até ele –quase que por acaso
–vem a ser de uma senhora chamada Philomena Lee (vivida quando moça pela jovem
Sophie Kennedy Clark), cuja juventude foi marcada por um sofrimento desigual:
Antes de completar 18 anos, ela foi seduzida por um namoradinho que a
engravidou, e assim enviada à um convento onde, após dar a luz (num parto
doloroso onde lhe foi negado o direito à anestesia), ela e outras jovens mães
solteiras recebiam um tratamento desumano. Eram mantidas afastadas dos filhos
(que aguardavam adoções eventuais) enquanto trabalhavam em regime escravo para
as inclementes freiras do lugar.
Perdendo qualquer contato com seu filho,
Anthony, quando ele ainda contava apenas dois anos de idade, após ser adotado
por um casal norte-americano, Philomena passou cinqüenta anos sem ter qualquer
idéia de seu destino, até Martin Sixsmith cruzar seu caminho.
Inicialmente a contragosto, ele vai guiando
Philomena pelos caminhos obscuros de uma investigação que, em sua simplicidade,
ela não era capaz de fazer sozinha. Sixsmith se dá conta assim da reprovável
postura que as freiras adotavam para com aquelas jovens renegadas pelas
famílias, e constata, atônito, os muitos atos lúgubres e ultrajantes
acobertados até hoje na Igreja Católica.
Seguindo para os EUA, ele e Philomena buscam
seguir a pista para encontrar o filho dela, o quê os leva para Washington onde
descobrem quem ele se tornou –as discriminações e os aspectos da vida que viveu.
Experiente e perspicaz como poucos, o diretor
Frears faz da narrativa de “Philomena” uma sucessão de contrapontos: Ele
justapõe o sofrimento da protagonista ao seu comportamento benevolente e misericordioso
(inclusive para com suas algozes); justapõe a denúncia que esse fato real se
presta a fazer (e que abrange tantas outras pessoas que também sofreram) à
jornada íntima da personagem principal; a própria Igreja –personifica nas
freiras francamente arrogantes e detestáveis –e a condição de drama humano
gerada por seus procedimentos passados; e, sobretudo, justapõe Sixsmith e a
própria Philomena, na forma como cada um lida com as revelações que vão
surgindo, em especial no desfecho, quando uma curiosa guinada parece exigir de
Sixsmith (um homem ateu, plenamente culto e consciente de seu poder de
entendimento) o perdão que sua indignação para com as injustiças o torna
incapaz de conceder, enquanto que a velha Philomena (uma mulher idosa, não
raro, mostrada pelo roteiro como alguém simples, ignorante e de conclusões
freqüentemente obtusas) o faz com uma serenidade tal que a eleva.
“Philomena”, no fim das
contas, é sobre isso: Os percalços imprevisíveis e odiosos da vida e do mundo
que vêm para testar nossa capacidade de perdoar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário