O conceito de um epílogo crepuscular para os
bravos e rústicos homens que moldaram a América durante o Velho Oeste já havia
surgido na obra-prima “Era Uma Vez No Oeste”, de Sergio Leone. Todavia, essa
noção não ocupava o cerne da premissa, servindo mais como uma pertinente
observação acerca de um primoroso exemplar do faoreste spaghetti em geral, e da
técnica extraordinária de Leone em particular.
Entretanto, em “Um Homem Difícil de Matar” esse
conceito resume o próprio filme.
Esta estréia na direção do fotógrafo de “O Bebêde Rosemary” e “Bullit”, William A. Fraker, surpreende pela indistinta
compreensão de drama que ele demonstra: “Um Homem Difícil de Matar” é, por isso
mesmo, um filme lindamente climático onde as impressões provocadas pela trilha
sonora e as minúcias captadas nas nuances das atuações dizem tanto, ou mais, do
que a tensão de tiroteios iminentes.
Os vaqueiros Monte Walsh (Lee Marvin,
primordial) e Chet (Jack Palance) são grandes amigos de longa data. E são
também homens de natureza arredia, avessos aos meandros complicados das
cidades, acostumados ao ar livre, ao serviço de exigente preparo físico, ao
trato com os animais mais que com as pessoas.
E logo ambos –talvez, Chet um pouco mais do que
Monte –vão se dando conta que o modo de vida que os orienta está por se acabar:
Para homens como eles, o ganha-pão disponível e o dinheiro que lhes provem está
cada vez mais escasso. As grandes empresas avançam pelo Oeste Bravio. As
cidades crescem. O progresso toma conta das pradarias. Não há mais espaço para
homens brutos e beligerantes como eles.
Se por um lado, Chet já vislumbra algo assim e,
tomado por um bom senso que lhe sobra mais do que no amigo, já ensaia um
casamento com a viúva de uma cidade próxima e um recomeço como ferramenteiro,
por outro, colegas de labuta como o destemperado Shorty (Mitchell Ryan), na
absoluta falta de aptidão para qualquer outra profissão, já enveredam para as
atividades fora da lei –e o roubo das mesmas cabeças de gado que antes cuidavam
e tratavam é apenas o princípio do ciclo criminoso.
Em sua interiorizada perplexidade, Monte se
mantém numa espécie de equilíbrio: Pode muito bem não sucumbir à bandidagem como
muitos, mas sabe que as cidades e seu processo de civilização conduzem por um
caminho que ele é incapaz de trilhar. Sua inconclusa ainda que amorosa relação
de anos com a prostituta Martine (Jeanne Moreau, emprestando encanto legítimo à
personagem) é um exemplo disso: Monte a ama, não há dúvida, no entanto tem
consciência de que não é, nem nunca será, o marido que ela merece –e, na
incapacidade para expressar essa constatação, se mantém, distante com a exceção
de ocasionais visitas.
Conforme a narrativa progride, o diretor Fraker
irá conduzir Monte à uma situação da qual buscou fugir desde o princípio: O
momento em que terá de fazer uma escolha.
Quando tal momento chega, ele não somente
parece impor uma única alternativa viável à Monte (afinal, ele esperou demais,
e algumas coisas se tornaram assim, inevitáveis) como também ele vem elaborado
em torno de alguns dos mais paradigmáticos elementos do gênero: O duelo mortal
entre os antagonistas –impregnado por uma concepção de honra e de justiça que
os homens civilizados já não seriam mais capazes de compreender.
Fraker remove de seu filme a celebração da
vitória, o reconhecimento pela bravura, ou qualquer enaltecimento que os
cowboys experimentaram no auge de seu gênero, ao invés disso, a introspecção de
sua narrativa conduz seu herói solitário a um arremate quase assimétrico no
final do filme.
Realizado em 1970, “Um
Homem Difícil de Matar” é revisionista e outonal, as únicas características
possíveis para um faroeste existir naqueles tempos –do contrário, ele acabaria
sendo mais um faroeste spaghetti –diferente das obras de Sergio Leone e seus
conterrâneos, que buscavam a amplitude de seu sub-gênero numa redefinição
épica, os faroestes norte-americanos de fato, herdeiros de John Ford, como este
maravilhoso exemplar, precisavam voltar seu olhar para si mesmos e compreender
–como Monte Walsh, na melancólica cena final –que, fosse o Velho Oeste dentro
do filme ou o apogeu comercial do gênero fora dele, este era um tempo que havia
se passado.
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