As 24 Horas de Le Mans representam a corrida
mais desgastante, difícil e exigente do mundo. É como uma grande montanha: Nada
é tão desafiador ou intransponível.
Uma disputa de motores, ânimos e estratégias
que se inicia num dia para só se encerrar no dia seguinte, com suas equipes
competidoras trituradas pelo cansaço, pelo stress, pela pressão psicológica e,
não raro, pelos acidentes atrozes decorridos nas pistas.
Quando o todo poderoso magnata do automobilismo
Henry Ford II teve sua proposta de aliança de negócios recusada pelo também
poderoso Enzo Ferrari, ele compreendeu que a recém-descoberta rivalidade entre
os dois só podia ser de fato resolvida nas pistas de Le Mans –onde a Ferrari
havia vencido as quatro últimas disputas!
A Ferrari tinha uma tradição automobilística
por meio da qual seu carro era visto como um oponente impossível de ser batido.
Ford enxergava nessa oportunidade um meio de
mostrar que, em sua área, não estava para brincadeiras. Todos, entretanto,
concordavam que a Ferrari, ao menos nas pistas de Le Mans, não era um
adversário que deveria ser desafiado.
É em torno dos meandros por vezes espetaculares
dessa richa que se debruça o filme magnífico dirigido por James Mangold.
Engana-se, contudo, quem julgar que torna
central a sua trama os chefões Henry Ford II e Enzo Ferrari: Seus protagonistas
de fato são o ex-piloto e líder de escuderia Carroll Shelby (vivido por Matt
Damon) e o indomável piloto e mecánico Ken ‘Bulldogue’ Miles (vivido por
Christian Bale).
Dessa forma, o trabalho de Mangold desvia-se o
foco dos nomes lendários envolvidos na trama, e o concentra no esforço heróico
de homens comuns, no primeiro de seus inúmeros acertos.
Outrora um vencedor habilidoso de Le Mans,
Shelby é procurado por um executivo de Ford, Lee Iacocca (Jon Berthal) que o
recruta para capitanear a empreitada de tentar superar a Ferrari.
Shelby compreende que para disputar Le Mans não
apenas deve construir o melhor e mais rápido carro –tarefa esta que, ainda
assim, se mostrava cheia de percalços inacreditáveis –mas, também deve
conseguir o melhor piloto; alguém que compreenda a máquina num nível tão
intuitivo que seja capaz, num improviso, de arrancar dela o máximo.
Essa pessoa, ele sabe, é Ken Miles.
E aí começam alguns problemas: De difícil temperamento,
Ken não é habituado a seguir ordens e, embora obtenha resultados assombrosos
nas pistas de corrida, ele também obtém a antipatia do executivo-sênior de
Ford, o arrogante Beebe (Josh Lucas, de "Uma Mente Brilhante" e "Hulk", especializado nesses papéis).
Tanto Ken, quanto principalmente Shelby sofrem,
portanto, pressão vindas de duas extremidades distintas: De um lado, são
pressionados para que consigam o rendimento que garanta à Ford a improvável
supremacia nas 24 Horas de Le Mans (e nisso, têm como obstáculos as próprias
leis da Física!); de outro, são sabotados por seus próprios dirigentes –algo
antecipado pelo próprio Ken Miles –que ignoram as habilidades e o conhecimento
de sua equipe para impor suas próprias restrições na execução e confecção do
carro, na escolha dos pilotos (onde prevalecia Ken, contra a vontade de Beebe)
e nos procedimentos da equipe.
Munido de muito jogo de cintura, Shelby tem de
fazer política para garantir em sua equipe o único talento que sabia ser
essencial para a vitória: Ken Miles.
Semelhante em muitos aspectos ao brilhante
“Rush-No Limite da Emoção”, o filme de Mangold vale-se do mesmo inteligente
princípio narrativo, onde sua trama dá prioridade aos pormenores
extraordinários que faziam desta uma história frequentemente inacreditável.
Matt Damon está ótimo como Carroll Shelby, em cujo comportamento austero se
deposita o ponto de equilíbrio do filme, mas quem rouba mesmo as cenas é
Christian Bale, como Ken Miles, cuja interpretação une maneirismos de seu
personagem no excelente “O Vencedor” com algumas nuances minimalistas de seu
papel em “A Grande Aposta”.
Um filme envolvente no
registro minucioso e orgânico que faz dos bastidores tumultuados das grandes
corridas, e arrebatador na recriação raivosa e eletrizante da alta voltagem
obtida pelos pilotos dentro das pistas.
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