sábado, 10 de outubro de 2015

O Silêncio dos Inocentes

Este é um corpo estranho quando avaliamos o perfil dos outros únicos dois filmes que, como ele, em toda a história do cinema conquistaram todos os cincos Oscars principais (Filme, Diretor, Ator, Atriz e Roteiro). Foram eles: “Aconteceu Naquela Noite” e “Um Estranho No Ninho”.
Mas, a própria obra de Jonathan Demme já trata de deixar bem claras as razões para essa larga consagração: Começamos a história acompanhando a jovem agente do FBI, ainda em treinamento, Clarice Starling (Jodie Foster, sensacional). As seqüências iniciais, que a mostram em sua ofegante e desgastante rotina preparatória já evidenciam as dificuldades pelas quais a jovem passa para se impor num ambiente predominantemente masculino –e esses elementos serão reiterados o tempo todo pelo diretor.
Chamada para uma reunião com o chefão do FBI, Jack Crawwford (Scott Glenn), fica bastante claro o desconforto, em diversos níveis, ao qual Clarice é exposta (e todas as cenas com o aparentemente paternal Crawford serão envoltas nessa dúbia –e até perturbadora –atmosfera onde a narrativa impõe climas distintos, ora de uma estranha e inapropriada atração sexual, ora de absoluta inadequação. Um lembrete do quão inóspito e hostil o mundo dos homens pode revelar-se às mulheres.).
Clarice recebe a significativa missão –essencial para sua ficha de agente iniciante –de entrevistar um psicótico encarcerado com a nebulosa intenção de criar um perfil para um outro psicopata, denominado Bufallo Bill, a solta que vem fazendo vítimas.
Mas o prisioneiro em questão, Hannibal Lecter (o grande Anthony Hopkins, no personagem de sua vida), não é um psicopata comum, trata-se de um brilhante psiquiatra capaz de penetrar na mente da jovem, por quem, nas suas sucessivas entrevistas ele passa a nutrir um estranho fascínio.
A moça por sua vez é incapaz de evitar sua aproximação.
Há uma série de dualidades trabalhadas pela direção e pelo roteiro, e que podem passar facilmente despercebidas pelo expectador: O mundo orquestrado por Demme é um amalgama de segundas e terceiras intenções que passam longe do simbolismo bidimensional de bem e mal, representados na introspectiva Clarice e no intenso Hannibal. O FBI vale-se da própria Clarice para chegar até a mente de Hannibal, e dela tentar extrair a informação necessária. Já, Hannibal se deixa levar pelo jogo de interesses do FBI, apenas porque eles lhe entregaram um divertimento fascinante o suficiente –na forma de Clarice –para que ele dê sua colaboração indiferente no caso.
Clarice, portanto, quer ingressar no mundo masculino do FBI. O FBI quer ingressar no mundo insano e surreal que é a mente de um psicopata (Hannibal). O próprio Hannibal, em sua curiosidade sádica, quer entrar nesse mundo novo que é a mente de Clarice –e dela extrair os segredos que a fazem ser tão interessante aos olhos dele (A questão em torna da lembrança de infância a respeito do grito das ovelhas é um elemento profundo e significativo acerca do ímpeto que move a personagem). Tudo isso, para capturar Bufallo Bill (Ted Levine, ameaçador), um psicótico, que está livre em algum lugar do mundo (desta vez, o real), a exacerbar as regras de conduta lícita, promovendo a morte de inocentes.
Dentre todas essas dicotomias, a que mais parece interessar à Jonathan Demme, é a interação formidável e hipnótica entre Clarice e Hannibal, embora ele jamais negligencie as outras facetas de seu filme –é, portanto, até curiosa a economia com que o notável personagem de Hannibal Lecter é empregado aqui, quando observamos o quanto ele (assim como seu intérprete) passou a ser usado e enaltecido em filmes posteriores –todos incapazes de igualar a excelência deste daqui.
Pouco a pouco, a condução magistral (não à toa, com algo de expressionista) de Jonathan Demme vai reduzir esses reflexos e reflexões do mundo como ele é à um preocupante eufemismo de sua essência: Quando Clarice Starling, e somente ela, será confrontada com o próprio Bufallo Bill, não encarcerado como Hannibal, mas absolutamente livre e solto! Quando então “O Silêncio dos Inocentes” haverá de se impor como a obra espetacular de suspense psicológico que é.

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