Durante a produção de “Amor Sublime Amor”, o diretor Steven Spielberg se deparou com uma inevitável reflexão em torno do tema que norteava sua obra, o filme de 1961 que ele refilmava, e a peça teatral da qual era adaptado: A intolerância.
É a intolerância, mais do que qualquer outra
coisa, o combustível que alimenta as tragédias do ser humano, e que, à sua
maneira, está presente nas mais diversas expressões humanistas do trabalho de
Spielberg. Ao se dar conta de que “Amor Sublime Amor” era um filme sobre
intolerância, mais do que sobre amor, Spielberg decidiu ir mais a fundo, e
produziu esta brilhante série documental pela Discovery –dividida em seis
primorosos episódios –que se presta a mergulhar nos mais diversos mecanismos
(históricos, sociais, comportamentais, científicos) que levam um ser humano a
antagonizar seu semelhante. Não é um documentário simples, no sentido de que,
não exige, em dado momento, nervos de aço do expectador –como é anunciado no
início de cada capítulo, a obra não se exime de mostrar cenas atrozes, de
conflito, violência e barbárie, para ilustrar o quão selvagem o ser humano é
capaz de se tornar quando suas ações se deixam alimentar pela irracionalidade
do ódio, no entanto, ele é –para aqueles que forem capazes de lhe fazer a
travessia –uma obra recompensadora, esclarecedora e lúcida sobre as mazelas
abissais do subconsciente humano e os esforços salutares para enfrentá-las.
No primeiro episódio, “Origem”, somos
conduzidos pelo antropologista evolucionário Brian Hare que nos explica que o
ódio nutrido entre os seres humanos tem, entre outros gatilhos, uma gênese na
nossa própria evolução animal, que remota a milhões de anos –comportamentos
flagrados entre pessoas polarizadas por política ou quaisquer outras razões se
assemelha ao de grupos de animais, como os chimpanzés, que foram nossos
antepassados na escala evolutiva.
No segundo episódio, “Tribalismo”, uma reflexão
um pouco semelhante leva a Dra. Laurie Santos, uma cientista cognitiva, a
discorrer sobre o modo como o ser humano age e pensa em coletividade: Genes que
remontam da época das cavernas (das tribos), que são essenciais à sobrevivência
da espécie (e, portanto, à evolução) nos levam a adotar um grupo e a ele
defender com unhas e dentes, sejam por motivos territoriais, religiosos
políticos, étnicos ou algum outro –um impulso, explica ela, através do qual
somos impelidos a abraçar uma ideologia e defender ferrenhamente aqueles que
concordam conosco, na mesma medida em que antagonizamos de maneira quase
irracional aqueles que se opõem ao nosso modo de ser. É neste episódio que
surgem, como perfeito exemplo do tribalismo, as torcidas de futebol organizadas
que hostilizam violentamente seus adversários –os chamados hooligans –e justificam todos os seus atos pelo amor ao esporte e
dedicação ao seu time.
O terceiro episódio, “Ferramentas e Táticas”,
traz o depoimento do jornalista e historiador Jelani Cobb, cujo objetivo é
registrar e comentar a História –compreender e analisar o passado, acredita
ele, é uma forma de prevenir e conscientizar o futuro dos erros cometidos. Ao
mesmo tempo, sua pesquisa busca incessantemente descobrir quais foram os
‘instrumentos’ que levaram pessoas a perder a capacidade de enxergar outros
como seus semelhantes (a ‘desumanização’) e assim perpetrar atos de ódio e
crueldade inicialmente tidos por impraticáveis.
No quarto episódio, “Extremismo”, é a vez de
Sasha Avlicek, uma especialista no estudo do extremismo, expor sua experiência
como filha de imigrantes iugoslavos na Inglaterra, e testemunha, desde tenra
idade, do terrível genocídio perpetrado no Leste Europeu –na vida adulta, seu
objetivo passou a ser compreender e enfrentar o processo de radicalização que
leva a manifestações contundentes de violência. Paralelamente, conhecemos a
história do ex-skinhead Frank Meeink,
cuja criação brutal e negligente da parte de seus tutores o empurrou para a
delinquência. Um ambiente do qual ele foi capaz de se desvencilhar. É nesse
episódio também que é citado o famoso Experimento Social de Stanford –no qual
voluntários capturados entre os alunos da universidade simularam uma situação
de “carcereiros e encarcerados” por dias a fio, até que a encenação (e o
antagonismo) entre eles começou a se tornar perigosamente real –acontecimento retratado
no filme alemão “A Experiência” e em outras produções.
Em “Crimes Contra A Humanidade”, o quinto
episódio, acompanhamos a advogada especializada em crimes internacionais,
Patricia Viseur Sellers, evocando casos como o Massacre de Ruanda, o Genocídio Indígena
durante a colonização da América, a Escravidão no Sul dos EUA, o Apartheid, a
Revolução do Khmer Vermelho no Camboja e, obviamente, o Holocausto Nazista. São
observadas assim as circunstâncias por meio das quais contextos historicamente
turbulentos distorcem valores humanos aos olhos de toda uma coletividade de
forma a conduzirem matanças e atos de ódio inicialmente tidos por inacreditáveis.
No sexto e último episódio, “Esperança”, o
neurocientista Emile Bruneau compartilha de seus intensos estudos acerca das
divisões que separam pessoas que tinham tudo para compartilharem uma relação pacífica,
tomando como exemplos moradores e aldeões da América do Sul em oposição a
ex-integrantes das F.A.R.C. (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Para
Bruneau, o pensamento crítico, o ‘conhecer para entender’ pode levar a um
esclarecimento das ações do outro que remove a névoa por meio da qual as
pessoas se veem como inimigos.
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