Existem autores difíceis –desafiadores até! –de serem vertidos para cinema. Certamente, a brasileira Clarice Lispector é um deles. Sua obra “Uma Aprendizagem Ou O Livro dos Prazeres” é uma viagem existencialista ao âmago da angústia e da solidão, conduzida por uma personagem dilacerada pelo vazio de relacionamentos sem profundidade.
O filme, dirigido por Marcela Lordy, até busca,
a sua maneira, ser algo parecido, lançando mão de subterfúgios hábeis do cinema
brasileiro para contornar a abstração literária de sua narrativa a fim de
pontuar com eventos mais sólidos a linguagem sensorial, poética e nebulosa
presente nas páginas.
O resultado é uma obra cheia de personalidade
no registro de uma melancolia onipresente, revelador da sensibilidade toda
particular de uma diretora ao abordar o erotismo tão compulsório do cinema
nacional (e o filme, para um longa-metragem lançado na década de 2020, tem até
que várias cenas de nudez e sexo!), mas certamente insatisfatório no alcance de
uma atmosfera e uma narrativa que fizessem jus ao texto de Lispector.
Contudo, “O Livro dos Prazeres” se impõe como
um longa-metragem na descoberta de uma outra força imprevista: A atriz
principal (e também produtora) Simone Spoladore (de “Lavoura Arcaica”), dona de
uma expressividade tocante e peculiar, e uma beleza madura e envolvente.
Ela é Lori, uma professora de primeiro grau,
incapaz de esconder a aflição que a consome mesmo de seus pequenos alunos em
sala de aula: Lori submete as crianças à lições que visam despertar sua atenção
para as desilusões da vida. Talvez porque, no arremedo de vida social que
mantém, Lori é incapaz de se aprofundar em relacionamentos, estabelecendo
conexões quando muito furtivas com os homens que sua beleza é capaz de atrair.
Em algum momento, ela conhece Ulisses (o argentino
Javier Drolas com um sotaque que drena um pouco da veemência do personagem), um
professor universitário de filosofia que vai gradualmente invadindo sua vida,
com sua presença cada vez mais difícil de ser ignorada e com seus comentários,
ora incipientes e circunspectos sobre quem ela é, ora reveladores de suas
carências –e encontrar alguém tão capaz de expô-la sem os disfarces de sua
calculada sexualidade é, para Lori, em princípio, um flagelo, mas, aos poucos
também, uma redenção.
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