terça-feira, 28 de junho de 2016

Lavoura Arcaica


São quase indefiníveis as muitas perplexidades expostas por Luiz Fernando Carvalho ao expectador em “Lavoura Arcaica”.

A trama, em si, talvez tivesse um desenvolvimento simples e certamente sem surpresas se fosse contada em ordem cronológica, sem os arroubos autorais e simbólicos que nunca deixam de pairar na tela durante as duas horas e meia de filme.

Mas essa talvez seja a única forma que levar os acontecimentos do livro de Raduan Nassar para o cinema: Dando-lhes o mesmo rebuscamento que o leitor encontra na obra literária.

Selton Mello personifica aqui, mais que seu personagem, André, a dor de seu personagem: Um dilaceramento que o define, antes mesmo de sabermos porque sofre e quais eventos o levaram a refugiar-se naquele quarto de hotel barato, onde ele declama os mais shakesperianos pensamentos acerca da vida e do farod de existir, enquanto enche a cara de vinho.

Leornardo Medeiros, seu irmão mais velho, é quem vai buscá-lo, confrontando-o, de início, com uma austeriade, que ambos logo irão perceber é só uma fachada.

Todos aqui sofrem de algum pesar impronunciável. E todos (à exceção de André) acreditam que é melhor submeter sua existência à um conformismo do que escrutinar essa dor.

Os flashbacks que intercalam a estranhamente lenta aproximação dos dois vão trazendo alguma luz à escuridão daqueles acontecimentos: Ambos vêem de uma família de descendência libanesa, na qual o pai (Raul Cortez) parece exercer influência autoritária e avassaladora, em contraponto ao amor incondicional e algo sufocante da mãe (essa dicotomia pai e mãe/opressão e ternura surge também, de maneira mais branda, em “A Árvore da Vida”, de Terence Malick).

Os tormentos de André, contudo, não estão por inteiro esclarecidos: Eles dizem respeito à Ana, a personagem de Simone Spoladore, e ao sentimento incestuoso que ela desperta no protagonista, cuja incapacidade de negá-lo, dispara uma necessidade de contestação que ele irá arremessar contra os ditames da família, da sociedade e de Deus, levando-o àquele rompimento existencial.

Mas, André deve regressar ao seio familiar, e com ele, regressarão verdades difíceis de serem encaradas.

“Lavoura Arcaica” está longe de ser um filme perfeito. E talvez não fosse nem esse o objetivo de Luiz Fernando Carvalho. As cenas que se seguem na tela pulsam de poesia visual, deixando claro o quanto ele próprio se enamorou do material e gerando infinitas possibilidades de interpretação, mas a narração em off teria encontrado um resultado muito mais feliz se ele tivesse deixado o próprio ator Selton Mello incumbido da narração (que, assim como no livro, pertence ao personagem André), ao invés de Luiz Fernando narrar ele mesmo as passagens.

Nenhum comentário:

Postar um comentário