segunda-feira, 13 de março de 2017

Barton Fink - Delírios de Hollywood

Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 1993, trata-se de uma das mais desafiadoras metalinguagens já elaboradas do cinema, abordando um período que sempre fascinou seus realizadores: Eles fariam, mais tarde, outros e distintos filmes sobre a Velha Hollywood.
Barton Fink, é o nome de um dramaturgo nova-iorquino alçado à posição de roteirista de Hollywood em meio aos anos 1940. E, na interpretação cheia de angústia de John Turturro, ele é também um prato cheio para que os irmãos Joel e Ethan Coen explorem a dicotomia entre os fantasmas da criação artística em oposição às circunstâncias opressivas da realidade.
Quando sua trajetória começa, Barton é celebrado em Nova York pela primorosa peça de cunho social que escreveu –e que coleciona elogios da crítica desde então.
Não demora muito para que um flerte inevitável para com a indústria cinematográfica aconteça e, quando Barton menos espera (assim como a platéia), ele já está num quarto alugado de um hotel na Califórnia, incumbido de escrever um roteiro no qual seu eufórico produtor (Michael Lerner) deposita imodesta expectativa.
É nesse ponto que os Coen se revelam, confrontando o quase sempre perplexo Barton Fink com toda a sorte de ironias possíveis (e até mesmo impossíveis!) do mundo real.
Acometido por um súbito (e até compreensível) bloqueio criativo, Barton constrói de maneira um pouco relutante uma amizade com seu vizinho de quarto, Charlie, o caixeiro viajante bonachão e misterioso vivido magnificamente por John Goodman.
As conversas com ele quebram um pouco da rotina acachapante que Barton descobre entre aquelas quatro sufocantes e escaldantes paredes (a onda de calor registrada em Los Angeles faz até com que seus papéis de parede descolem!).
Há, pelo menos, outra breve visita do mundo exterior, por assim dizer: Audrey Taylor, a esposa e secretária (Judy Davis) de um roteirista alcoólatra (John Maroney) muito admirado por Barton.
Cada um desses personagens lhe expõe uma faceta cruel e sarcástica das coisas como elas são: Charlie é procurado pela polícia sob suspeita de ser um serial killer, o quê não parece encaixar na visão que Barton tem dele; Audrey sofre, resignada, a injustiça de ser a real autora dos trabalhos aclamados de seu marido, no entanto, essa indignação pode ser (ou não) o estopim de uma possível tragédia.
As reviravoltas que ocorrem a partir daí ratificam a capacidade dos Coen em trabalhar a ambivalência moral de seus personagens, assim como de adotar uma narrativa que poderia soar acadêmica em seu formato, mas que subverte toda e qualquer expectativa em sua essência.
São instantes que os Coen sugerem sem nunca, de fato, esclarecer, deixando inúmeros plots e ganchos narrativos numa dúvida que persiste depois que o filme se acabou.
A ironia torna a martirizar a vida de Barton Fink quando, após vencer o bloqueio criativo depois de muitos percalços até inacreditáveis, ele entrega (depois de uma cena de um incêndio desconcertante onde os Coen descartam o cenário opressor do filme) o roteiro finalizado com a alma e a poesia que pretendia fazer, e ele é, curiosamente, rejeitado por seu produtor –agora com a personalidade toda transformada pelos novos tempos –o quê reflete muito da esquizofrenia criativa dos grandes estúdios (com a qual, é provável, os Coen já tiveram de lidar) na ânsia de tentar atender as vontades do público.
Num rumo inverso ao dos contos morais a que estamos acostumados, os Coen pegam seu protagonista e o fazem regressar ao lúdico (ao invés de sair dele) numa cena calma e serena em uma praia quase deserta. Uma jovem (que remete em muito à garota de pureza plena que aparece na cena final de “A Doce Vida”) lhe pergunta a respeito da caixa que carrega (que remete, por sua vez, à uma acidez ao estilo Luis Buñuel), um enigma perene do filme.
Ele pergunta a ela se ela trabalha com cinema.
“Não seja bobo...” é a resposta que ele recebe, para então perceber que a imagem da moça à sua frente é a fotografia que ele olhava em seu quarto de apartamento, durante toda a aflitiva experiência em agradar os engravatados de Hollywood –e o quê é o cinema, senão uma fotografia em movimento?

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