O prazer de se assistir ao raro telefilme
“Moviola” vem da aura mística que cerca os eventos relacionados ao clássico “E O Vento Levou”.
E sabe-se que os percalços foram tantos que
provavelmente renderiam uns cinco longa-metragens! O filme do diretor John Erman
contenta-se em focar sua atenção na obstinada intenção do produtor David O’
Selznick (Tony Curtis, sempre carismático) em encontrar a intérprete perfeita
para a protagonista Scarlett O’ Hara depois de obter os direitos para cinema do
best-seller de Margaret Mitchell.
Era o ano de 1938 e não se fala de outra coisa
em Hollywood, exceto da afobação do produtor O’ Selznick que comprou os
direitos do livro “E O Vento Levou” antes mesmo de seu lançamento –talvez, já
prevendo o sucesso esmagador que teria, talvez, uma aposta arriscada inerente à
sua natureza aventureira.
Selznick estava disposto a não poupar despesas.
Queria o filme mais esplendoroso, mais grandioso e arrebatador já feito; e tal
intento incluía a escalação de um cast impecável e perfeito.
Para o protagonista masculino
não haviam muitas dúvidas sobre quem seria a escolha perfeita: Tanto o público,
como o próprio Selznick não viam outro senão Clark Gable (Edward Winter) no
papel.
O problema: A despeito da hesitação do próprio
Gable com o filme, o astro era contratado da MGM (na época, os estúdios
arregimentavam seus próprias astros e estrelas), o quê tornava difícil sua
liberação para “E O Vento Levou”.
A solução: O presidente da MGM de então, Louis
B. Mayer (Harold Gould) era sogro do próprio Selznick (!), o quê facilitou as
negociações.
Todavia, o papel principal feminino, Scarlett
O’ Hara, representava um desafio e tanto: Era uma personagem complexa (ou seja,
exigia uma atriz com plenas capacidades dramáticas) e, embora Selznick tivesse
uma ideia muito clara que como deveria ser a intérprete à incorporá-la não
havia uma atriz específica para ser escolhida.
Idealista, Selznick fez dessa cruzada em busca
da Scarlett O’ Hara ideal um dos veículos de divulgação de seu filme, ainda na
pré-produção ("Ela está por aí, em algum lugar! Só preciso encontrá-la!" dizia ele).
Foi um papel disputado a tapa por todas as
atrizes conhecidas, desconhecidas e aspirantes a atrizes da época. Estrelas
como Bete Davis, Joan Crawford, Carole Lombard (esposa do próprio Clark Gable),
Tallulah Bankhead e Paulette Goddard (na época, casada com Charles Chaplin)
foram testadas –essa última foi quem mais perto chegou de obter o papel de
fato. Audições incansáveis e intermináveis foram realizadas em todo o
território dos EUA, com ênfase no Sul e, especialmente, na cidade de Atlanta,
palco de boa parte da trama –algumas com a presença do próprio George Cukor
(George Furth), o primeiro dos três diretores que Selznick chamou para o
monumental serviço.
Essa comoção abriu espaço para aproveitadores
que, fazendo-se passar por diretores de elenco, realizaram, em várias cidades
americanas testes com atrizes iniciantes que inevitavelmente culminavam no
famigerado ‘teste do sofá’ –esse episódio, por sinal, acabou quase num processo contra David O’ Selznick,
que nem sequer conhecia os tais falsários (!).
O prazo estipulado para encontrar a tão
procurada protagonista já havia se acabado, e algumas cenas até já estavam
sendo filmadas (como trechos do espetacular incêndio de Atlanta onde uma dublê
de Scarlett era usada) e Selznick ainda não tinha encontrado sua Scarlett
perfeita. Muitos eram os que, naquele ponto, sugeriam que ele se contenta-se
com uma das atrizes à disposição, que a Scarlett perfeita que ele vislumbrava
em sua mente era um sonho e não uma realidade.
Aos últimos dois minutos do segundo tempo –como
se costuma dizer –o destino, todavia, interferiu para tornar este um caso
singular na história do cinema: Eis que o agente Myro Selznick (Bill Macy),
irmão de David e agente do próprio Clark Gable, resolve de assistir, por acaso,
o filme de um astro inglês chamado Laurence Olivier que estava interessado em
representar, e nesse tal filme enxerga uma aparição –uma atriz tão
singularmente bela, carismática e competente que não poderia ser outra senão
ela a intérprete ideal de Scarlett O’ Hara.
Seu nome era Vivien Leigh.
E o resto –como também se costuma dizer –é
história...
Longe de igualar a excelência técnica e
artística da obra magnânima cujos bastidores retrata, “Moviola” é um trabalho gracioso, divertido e reverente para com a Velha Hollywood que reconstitui, e
tem o mérito salutar de encerrar seus adoráveis noventa e oito minutos de
duração enchendo o coração do expectador com calor humano; uma rara característica,
normalmente exclusiva da obra-prima de O’ Selznick.
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