Em seus primeiros projetos cinematográficos, os Irmãos Coen, Joel e Ethan, procuraram visitar distintos gêneros de cinema, a fim de testar suas aptidões e encontrar sua própria voz autoral dentro de expedientes já estabelecidos. É por isso que, em sua primeira fase, fomos brindados com obras como “Gosto de Sangue” (um neo-noir), “Arizona Nunca Mais” (comédia screwball) e “Barton Fink-Delírios de Hollywood” (drama de metalinguagem). À eles, soma-se este “Miller’s Crossing” com o qual os Coen levam um viés inusitado ao filme de gangster.
Ambientado numa cidade norte-americana
indefinida (ainda que tenha sido filmado em Nova Orleans), e situado no ano de
1929 (o auge da Lei Seca), “Miller’s Crossing” possui um prólogo que parece um
piscadela à “O Poderoso Chefão”, a referência-mor do gênero: Diante da câmera,
um descendente de italianos (tal e qual no filme de Coppola) faz um monólogo
quase que para a plateia –e para o poderoso ‘chefão’ deste filme, o irlandês
Leo O’Bannon, vivido com ar supino por Albert Finney. O descendente de
italianos, contudo, é outro gangster, Johnny Casper (Jon Polito, de “A Conquista da Honra”), e ele esboça seu descontentamento com um certo Bernie
Bernbaum, um bookmaker clandestino
que, apesar de sua insignificância, está incomodando a harmonia de seu negócio
de apostas ilegais.
Casper quer Bernie morto. Leo recusa seu
pedido. E está, assim, declarada a guerra.
Ouvindo tudo, está Tom Reagan (Gabriel Byrne),
braço-direito de Leo e seu melhor amigo, o único aparentemente capaz de expor
opiniões discordantes ao irascível Leo. Tom sabe que, ao negar um pedido
relativamente sensato à Casper, Leo está pondo a paz de seu império mafioso à
perder, mas, Leo se mantém irredutível e a resposta para isso não tarda à vir:
Leo está enamorado da charmosa vigarista
Verna Bernbaum (Marcia Gay Harden, vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “Pollock”) que vem a ser irmã de Bernie Bernbaum (John
Turturro). A pedido de Verna, portanto, Bernie goza da proteção indireta de
Leo, e seus deslizes constantes, fonte de irritação de Casper, recebem
vista-grossa do chefão. Tom, entretanto, sabe que essa paixonite de Leo pode
levar à sua derrocada –e, para complicar ainda mais as coisas, Tom e Verna são
amantes às escondidas de Leo (!),
Não obstante o requinte cinematográfica que
pontua este filme –enfatizado na brilhante fotografia de Barry Sonnenfeld e na
música climática, operística e lírica de Carter Burwell –a trama extremamente
complexada e intrincada, abarrotada de informações ambíguas, traições,
reviravoltas e alianças forjadas de última hora, é contada mesmo através de
diálogos carregados de melindres entre os personagens. Nessa circunstância
adornada de perfídia, não chega a ser inesperado quando, ao descobrir a traição
do melhor amigo, Leo rompe com Tom e este passar para o lado de Casper –a fim
de provar sua lealdade ao novo chefe, contudo, Tom é obrigado por seus capangas
à levar o incauto Bernie para a floresta de Miller’s
Crossing, local onde, pelo jeito, os mafiosos têm o hábito de levar para
sacrificar suas incontáveis vítimas.
Amparados em seus valores cinematográficos à
toda prova, os Coen dão uma grande contribuição ao conceito narrativo
–difundido pela obra-prima de Francis Ford Coppola –no qual as intrigas e
tramóias mafiosas, desenroladas num novelo elaborado de mortes e conchavos, ganham
uma carregada aura de tragédia e ópera; exemplo disso, entre outras passagens
tornadas memoráveis, é o ataque à mansão de Leo, cujo tratamento bastante
estilizado e poético deixa um tanto quanto de lado as pretensões de realismo
para ressaltar o ambiente em suas minúcias pictórias, como se todos os locais
(a mansão, o escritório de Leo, o quarto de Tom, o Clube Shenandoah –olha a
referência! –e a própria Miller’s
Crossing) fossem palco dos desdobramentos irônicos de uma mitologia muito
particular.
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