Incômodo, intrigante e reflexivo, “Rabbits” é uma minissérie realizada por David Lynch composta de oito episódios que nada mais mostram senão um trio de coelhos (mas, coelhos humanóides, trajados como seres humanos, e interpretados, segundo os créditos por Scott Coffey, Naomi Watts e Laura Elena Herring; essas duas, protagonistas de “Cidade dos Sonhos”) moradores de um apartamento (do qual só vemos a sala de estar), personagens do que aparenta ser uma espécie de sitcom.
O plano de câmera abrange toda a pequena sala
de estar do apartamento, ao mesmo tempo em que parece realmente conferir aos
personagens as dimensões reduzidas de coelhos. Súbito, o coelho que veste terno
e gravata entra pela porta (acompanhado por um até que estrondoso ruído de
aplausos, tal e qual numa –de novo –sitcom)
e passa a fazer acompanhia às outras duas coelhas no recinto; uma delas passava
à ferro as roupas com indiferença, enquanto a outra estava sentada no sofá. Há
um som de chuva constante emanando do lado de fora, mas o elemento que
desconcerta de fato o expectador são os diálogos, absolutamente destituídos de
qualquer sentido, que eles trocam.
Apesar de, vez ou outra, durante esses diálogos
incompreensíveis (frases como “Que horas são?” ou “Eu ainda vou descobrir o que
está acontecendo” são intercaladas por respostas e/ou afirmações que não dizem
nenhum respeito ao que acabou de ser dito) haverem inserções de risos da
platéia, essas interações não despertam um pingo de humor. Muito pelo
contrário: Devido ao clima de estranheza que logo se instala e, principalmente,
à trilha macabra que acompanha cada instante desses episódios, “Rabbits”
mergulha o expectador num desconforto deliberado e intenso, similar ao mais
opressivo filme de terror.
Teorias na internet (na medida em que trabalhos
de David Lynch permitem toda da sorte de interpretação) dão conta de que os
diálogos entre os três personagens estão embaralhados e que, ao justapô-los na
ordem correta, a verdadeira trama de “Rabbits” começa a se revelar: Nela, uma
possessão demoníaca (!) leva alguém a abusar do que parece ser uma pessoa jovem, e essa vítima cria os
personagens dos coelhos em sua cabeça para racionalizar, na medida do possível,
seu tormento. A chuva intermitente que se houve do lado de fora do recinto
seria, assim, o seu choro de tristeza. É por isso também que, num dos trechos
mais aflitivos e desconcertantes de “Rabbits” vemos o quarto ser inundado por
uma desconfortável luz avermelhada (o momento fatídico do abuso, talvez)
enquanto ouvimos uma voz cavernosa pronunciar palavras tão horripilantes quanto
incompreensíveis (uma referência
satânica).
No entanto, como em tantas obras de Lynch, tudo
aquilo que você compreende da experiência de “Rabbits” não vai,
necessariamente, importar: Seja ele indecifrável ou não, o que fica é a
experiência exasperante, de pavor genuíno e desconforto autêntico que ele tem o
poder de despertar no público –relatos dão conta de que cientistas nos EUA
exibiam “Rabbits” para pessoas nas quais eles tinham intenção de gerar crises
existenciais!
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