Em 1980, quando Stanley Kubrick lançou sua adaptação cinematográfica do best-seller “O Iluminado”, o autor, Stephen King, não ficou nada satisfeito com o resultado –embora tenha sido recebido nos anos e décadas posteriores como um dos maiores filmes de terror psicológico de todos os tempos (isso, posteriormente, porque na época, “O Iluminado” ganhou até mesmo indicações ao Framboesa de Ouro!), King nunca escondeu seu descontentamento com o que Kubrick fez do material. Para King, a rigidez sempre formal de Kubrick extirpou do enredo que ele havia imaginado muito do sentido moral e da mensagem de conflito familiar e redenção que ele embutiu na trama.
Com o passar do tempo e com a consolidação de
seu cacife em Hollywood (possível graças a dezenas de adaptações de sucesso de
seus livros, produzidos ao longo de muitos anos), Stephen King foi capaz de
produzir e roteirizar pessoalmente uma versão de “O Iluminado” que
correspondesse exatamente àquilo que ele almejava em uma adaptação
audio-visual. “O Iluminado”, de 1997, não é uma obra de cinema, como o
impactante trabalho de Kubrick, é na verdade uma minissérie lançada em três
episódios pela ABC e, aqui no Brasil, na longínqua época das fitas de VHS,
compilados todos em um único longa-metragem de três horas de duração. Era algo
até comum à Stephen King esse tipo de procedimento –lançar adaptações suas em
versões televisivas mais extensas e simultaneamente mais fiéis ao detalhado
material original, vide “It-Uma Obra-Prima do Medo” ou “Os Vampiros de Salem”.
Num primeiro momento, a trama de “O Iluminado”
não difere muito daquela mostrada no filme de Kubrick: Tentando encontrar um
período de paz para conceber a obra que pode lançá-lo como escritor, o
ex-professor e ex-alcoólatra Jack Torrance (Steven Webber) aceita a improvável
ocupação de zelador do Hotel Overlook durante a severa estação do inverno. Explica-se:
Com as Montanhas Rochosas do Colorado, nas quais o hotel se localiza,
abarrotadas de neve por uma estação inteira, o hotel fica completamente isolado
do resto do mundo. É impossível chegar nele, tanto quando é impossível, para
quem lá está, sair de lá até a primavera. Contudo, Jack Torrance não apenas
aceita a incumbência (certo de que o afastamento extremo será favorável na hora
de escrever seu livro), como também leva para lá sua esposa Wendy (Rebecca De
Mornay) e seu filho Danny (o pequeno Courtland Mead).
Embora haja um esforço de todas as partes para
que a família esteja sempre unida e feliz, há um fantasma, por assim dizer, que
assombra o casamento de Jack e Wendy: Num rompante, durante uma de suas
bebedeiras, Jack agrediu Danny, e agora tenta de tudo para reparar seu erro
perante a esposa e o filho.
E aí está um dos grandes diferenciais da obra
de King (esta minissérie que, na realidade, é dirigida por Mick Garris) e a
obra de Kubrick: Wendy, vivida por Rebecca De Mornay, não apenas bonita e
saudável, mas também altiva, firme, determinada e convicta é o oposto quase
exato da Wendy fragilizada, assustada, submissa e vulnerável de Shelley Duvall
vista no filme –King afirmou categoricamente que jamais teve a intenção de
escrever uma personagem desprovida de força como aquela.
Ao mesmo tempo, o Jack Torrance de Steven
Webber –sem que se façam comparações descabidas entre as estaturas distintas
dos atores que interpretam o personagem –não chega a ser um antagonista com os
minutos contados para surtar como o Jack Torrance (espetacular) de Jack Nicholson;
ele é mais um indivíduo cheio de imperfeições, falho, que se equilibra o tempo
todo entre ceder às suas próprias fraquezas e vícios ou manter-se íntegro por
sua família. O Hotel Overlook –como, aliás, tem muito a ver com o estilo
difundido de Stephen King –termina sendo um local abarrotado por assombrações
que, à sua maneira, tentarão se valer das piores facetas de Jack para
controlá-lo.
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