domingo, 21 de setembro de 2025

O Iluminado


 Em 1980, quando Stanley Kubrick lançou sua adaptação cinematográfica do best-seller “O Iluminado”, o autor, Stephen King, não ficou nada satisfeito com o resultado –embora tenha sido recebido nos anos e décadas posteriores como um dos maiores filmes de terror psicológico de todos os tempos (isso, posteriormente, porque na época, “O Iluminado” ganhou até mesmo indicações ao Framboesa de Ouro!), King nunca escondeu seu descontentamento com o que Kubrick fez do material. Para King, a rigidez sempre formal de Kubrick extirpou do enredo que ele havia imaginado muito do sentido moral e da mensagem de conflito familiar e redenção que ele embutiu na trama.

Com o passar do tempo e com a consolidação de seu cacife em Hollywood (possível graças a dezenas de adaptações de sucesso de seus livros, produzidos ao longo de muitos anos), Stephen King foi capaz de produzir e roteirizar pessoalmente uma versão de “O Iluminado” que correspondesse exatamente àquilo que ele almejava em uma adaptação audio-visual. “O Iluminado”, de 1997, não é uma obra de cinema, como o impactante trabalho de Kubrick, é na verdade uma minissérie lançada em três episódios pela ABC e, aqui no Brasil, na longínqua época das fitas de VHS, compilados todos em um único longa-metragem de três horas de duração. Era algo até comum à Stephen King esse tipo de procedimento –lançar adaptações suas em versões televisivas mais extensas e simultaneamente mais fiéis ao detalhado material original, vide “It-Uma Obra-Prima do Medo” ou “Os Vampiros de Salem”.

Num primeiro momento, a trama de “O Iluminado” não difere muito daquela mostrada no filme de Kubrick: Tentando encontrar um período de paz para conceber a obra que pode lançá-lo como escritor, o ex-professor e ex-alcoólatra Jack Torrance (Steven Webber) aceita a improvável ocupação de zelador do Hotel Overlook durante a severa estação do inverno. Explica-se: Com as Montanhas Rochosas do Colorado, nas quais o hotel se localiza, abarrotadas de neve por uma estação inteira, o hotel fica completamente isolado do resto do mundo. É impossível chegar nele, tanto quando é impossível, para quem lá está, sair de lá até a primavera. Contudo, Jack Torrance não apenas aceita a incumbência (certo de que o afastamento extremo será favorável na hora de escrever seu livro), como também leva para lá sua esposa Wendy (Rebecca De Mornay) e seu filho Danny (o pequeno Courtland Mead).

Embora haja um esforço de todas as partes para que a família esteja sempre unida e feliz, há um fantasma, por assim dizer, que assombra o casamento de Jack e Wendy: Num rompante, durante uma de suas bebedeiras, Jack agrediu Danny, e agora tenta de tudo para reparar seu erro perante a esposa e o filho.

E aí está um dos grandes diferenciais da obra de King (esta minissérie que, na realidade, é dirigida por Mick Garris) e a obra de Kubrick: Wendy, vivida por Rebecca De Mornay, não apenas bonita e saudável, mas também altiva, firme, determinada e convicta é o oposto quase exato da Wendy fragilizada, assustada, submissa e vulnerável de Shelley Duvall vista no filme –King afirmou categoricamente que jamais teve a intenção de escrever uma personagem desprovida de força como aquela.

Ao mesmo tempo, o Jack Torrance de Steven Webber –sem que se façam comparações descabidas entre as estaturas distintas dos atores que interpretam o personagem –não chega a ser um antagonista com os minutos contados para surtar como o Jack Torrance (espetacular) de Jack Nicholson; ele é mais um indivíduo cheio de imperfeições, falho, que se equilibra o tempo todo entre ceder às suas próprias fraquezas e vícios ou manter-se íntegro por sua família. O Hotel Overlook –como, aliás, tem muito a ver com o estilo difundido de Stephen King –termina sendo um local abarrotado por assombrações que, à sua maneira, tentarão se valer das piores facetas de Jack para controlá-lo.

“O Iluminado” de 1997 era, portanto, uma história de fantasmas onde o medo primordial representava a corrupção da família a partir de seu membro mais corruptível; já, “O Iluminado” de 1980 era uma alegoria cinematográfica concebida por Stanley Kubrick na qual os fantasmas a assombrar os corredores refletiam ecos subconscientes da História Norte-Americana e de mais um sem-fim de reinterpretações em potencial, ao gosto dos cinéfilos que viessem a assistí-lo.

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