Dirigido por Victor Fleming, o clássico “O Mágico de Oz” é uma produção que aparentemente o cinema, e a cultura pop como um todo, são incapazes de deixar de lado: Desde que foi lançado em 1939, ele ganhou, entre outras derivações, imitações e continuações, uma bizarra sequência nos anos 1980 (“O Mundo Fantástico de Oz”, de Walter Murch), um prequel em 2013 (“Oz-Mágico e Poderoso”, de Sam Raimi), uma versão blaxploitation (“O Mágico Inesquecível”, de Sidney Lumet) e até mesmo uma versão brasileira (“Os Trapalhões e O Mágico de Oróz”), além de várias outras obras para cinema e TV (existem até mesmo alguns curtas-metragens, adaptando os demais livros do autor Frank L. Baum que remontam o período do cinema mudo). Originalmente, uma realização aclamada nos palcos teatrais da Broadway, “Wicked”, adaptado por Stephen Schwartz e Winnie Holzman do livro de Gregory Maguire, e agora vertido para cinema em um filme que consegue ser superior à todos os citados anteriormente (superior até mesmo ao ovacionado clássico de 1939) é uma obra que se atreve a imaginar uma espécie de ‘origem’ para duas de suas mais emblemáticas personagens, a Bruxa Boa do Norte, Glinda e, sobretudo, a Bruxa Má do Oeste, Elphaba –mais do que isso: Ao jogar luz sobre uma história não contada, “Wicked” surpreende com uma inesperada inversão de valores morais, a humanização de alguns estereótipos, a desmistificação de outros e o acréscimo de pautas de inclusão e representatividade tão em voga no cinema moderno.
Quando “Wicked” se inicia, o mundo fantasioso
de Oz está em festa: A Bruxa Má do Oeste foi morta (como bem sabemos, no
desfecho de “O Mágico de Oz”) e essa notícia corre aos quatro ventos. Na Vila
dos Munchkins, a novidade é recebida com alegria (e com a execução da primeira
das inúmeras sequências musicais que virão), onde os animados moradores ganham
a companhia da antagonista da Bruxa Má, a Bruxa Boa, Glinda. Entretanto, com o
surgimento de uma dúvida (Glinda e a Bruxa Má teriam sido amigas em outros
tempos?), o filme retrocede num flashback
para contar o início dessa história.
Outrora, a filha mais velha do Governador dos
Munchkins (e, ao que tudo indica, fruto de um adultério cometido por sua mãe),
Elphaba nasceu com a pele completamente verde (!), e jamais deixou de ser
discriminada por isso, nem mesmo por seu próprio pai, cujo amor ele direcionou
apenas à segunda filha, Nessarose (Marissa Bode), nascida normal, porém,
paraplégica.
Quando Nessarose ingressa na Universidade de
Shiz, na qual se matricula também a abastada Galinda Upland (a cantora Ariana
Grande, se saindo muito bem), Elphaba acaba indo junto, movida pelo sentimento
benevolente de proteger a irmã –e nesse ponto do filme, Elphaba já surge
interpretada pela atriz e cantora Cynthia Erivo, uma força da natureza!
Num momento de descontrole de Elpahaba –quando
ela libera habilidades sobrenaturais que a acompanhavam já desde criança –os
dons dela acabam sendo notados por Madame Morrible (a premiada Michelle Yeoh),
a Reitora de Feitiçaria de Shiz, que imediatamente a convida para ingressar na
universidade e ser sua aluna particular –privilégio com o qual Galinda sonhava.
As duas, Elphaba e Galinda, por força das
circunstâncias se tornam colegas de quarto, mas a animosidade inicial é
inevitável –afinal, Galinda é popular, bajulada, vaidosa e, em última
instância, fútil; enquanto que Elphaba é excluída, desajustada, introspectiva e
sensata.
Apesar dos apesares, o enredo pouco a pouco
engatilha uma improvável amizade entre as duas, impulsionada pelas índoles
amáveis e, no fim das contas, carentes, das duas personagens –no processo, não
só o filme magnificamente dirigido por Jon M. Chu entrega sucessivos números
musicais exuberantes (nem tanto memoráveis pela excelência de seu repertório
musical, mas pelo primor técnico com que são executadas, e pelo elenco
fenomenal reunido) como também esmiúça em pequenos elementos e até subtramas
paralelas, o mundo no qual as personagens vivem –e tais detalhes serão
essenciais para os desdobramentos em seu clímax: Identificando-se com a
exclusão dos diferentes, Elphaba apoia incondicionalmente a proteção aos
animais falantes, espécimes que começam a sofrer a intolerância das pessoas em
Oz (no filme original temos, quando muito, o exemplo do Leão Covarde e só) e
essa convicção leva Elphaba a se opor ao célebre Mágico de Oz (Jeff Goldblum)
quando, por fim, ela e Galinda (agora auto-denominada Glinda) o conhecem.
“Wicked” utiliza de todo o expediente
fantasioso que cerca sua mitologia e seus personagens de ponta a ponta (recriados
com pormenores técnicos e visuais que levaram às merecidas premiações na
cerimônia do Oscar 2025) para construir uma alegoria sobre a necessidade humana
de odiar e perseguir tudo que lhe soa e lhe parece diferente, e vale-se de um
pequeno toque de transgressão para nos mostrar que, aquilo que talvez
acreditássemos serem verdades absolutas (tal como a vilania da Bruxa Má do
Oeste) podem ser muito mais relativo do que supúnhamos.

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