quinta-feira, 21 de maio de 2020

Os Trapalhões e O Mágico de Oróz

Eis uma versão brejeira, mambembe e abrasileirada de “O Mágico de Oz”, na qual os personagens de L. Frank Baum, inseridos em um contexto de “filme de cangaceiro” ganham as caras conhecidas dos Trapalhões, o quê promove curiosas alterações no roteiro.
Não apenas isso, o filme dirigido em colaboração por Victor Lustosa e o próprio Dedé Santana está seguramente entre as melhores obras cinematográficas do quarteto graças a uma série de notáveis predicados.
Reunidos após uma breve, porém, traumática separação na qual seguiram por caminhos distintos –Renato Aragão foi fazer “O Trapalhão Na Arca de Noé” e Dedé, Mussum e Zacarias fundaram sua própria produtora, a Demuza, e fizeram “Atrapalhando A Suate” –os quatro trapalhões surgem aqui depositados em papéis específicos e pontuais –e, ouso dizer, escolhidos com zelo e cuidado.
Após um prólogo de seriedade inesperada para os padrões dos Trapalhões, onde um narrador registra, auxiliado por fotos reais, as aflições sociais do povo nordestino, Didi (Renato Aragão, óbvio) aparece junto de companheiros diferentes –embora igualmente engraçados! –tratam-se de Soró (o saudoso Arnaud Rodrigues) e Tatu (José Dumont, de “Brincando Nos Campos do Senhor”), junto dos quais tenta caçar um urubu (!): Sendo arremessado por um estilingue gigante –e já aí, nos é mostrado o aparato de efeitos visuais que a produção emprega com modéstia bem mais incontida que nos demais filmes dos Trapalhões.
Na sequência de sua busca por água, Didi, Soró e Tatu encontram um a um dos outros protagonistas: Espantalho (vivido por Zacarias) eles acham numa plantação já exaurida pela seca; e junto deles, encontram também um grupo musical perfomático representando corvos, liderados por um dançante Tony Tornado.
O Homem de Lata (personificado por Mussum) eles encontram logo depois, num depósito de aguardente (!), e por fim, o Leão Covarde (interpretado por Dedé Santana) é um delegado relutante na cidade de Oróz, onde toda essa trupe vai parar.
A cidade também padece pela falta de água, e tem de se sujeitar aos mandos e desmandos do Coronel (Maurício do Valle, ator de vários filmes de Glauber Rocha), proprietário do único rio a correr pela região. O Coronel deseja mandar na cidade (o que, na prática, consegue) e, acima de tudo, cobiça o coração da bela professorinha (Xuxa Meneghel, antes de ficar famosa), embora ela ironicamente prefira o delegado Leão (chega a ser estranho vermos Xuxa aos beijos e abraços com Dedé, tendo nos acostumado a vê-la nessa situação com Didi em filmes subsequentes).
Quando todo o pessoal é preso por tentar roubar pão –sensacional é a cena do julgamento em praça pública, cantada e entoada num ritmo de cordel com a participação de Jofre Soares (de “A Guerra dos Pelados”) como o honorável juiz –a sentença acaba vindo na forma de uma missão: Didi, o Espantalho, o Homem de Lata e o delegado Leão devem partir pelo sertão à procura de água, enquanto Soró e Tatu amargam dentro da cadeia.
Assim, uma vez reunidos, o quarteto empreende uma jornada que os leva através das terras do Coronel, e além. Após um encontro com um certo Beato do Deserto (Dino Santana, irmão de Dedé), eles descobrem a caverna do lendário Mágico de Oróz (Dary Reis) que lhes dá alguns enigmas por meio dos quais encontrarão água. Ele lhes concede também um osso de propriedades mágicas –oportunidade para uma bela, ainda que desajeitada, referência à “2001-Uma Odisséia No Espaço”.
Dessa forma, os Trapalhões acabam indo para o Rio de Janeiro, passando pela Ponte Rio-Niterói, pelo Maracanã até culminar no Cristo Redentor. Sua longa e mágica viagem termina os levando de volta à cidade de Oróz, onde o fracasso lhes deixa à míngua, amarrados numa espécie de roda da tortura.
Em meio à uma prece poética, todos eles descobrem que já tinham, afinal, as qualidades que passaram o filme almejando –o Espantalho possuía cérebro; o Homem de Lata tinha, sim, coração; e o Leão Covarde tinha lá a sua coragem –e conseguem fazer com que a tão sonhada água caia dos céus em forma de chuva.
Feito de genuína inspiração e talento, e despido das participações especiais de famosos que acabaram soterrando a autenticidade dos filmes dos Trapalhões (o papel de Xuxa aqui não apenas faz sentido junto ao enredo, como dura só o necessário), “Os Trapalhões e O Mágico de Oróz” fica lado a lado com o clássico “Saltimbancos Trapalhões” no que diz respeito ao que eles entregaram de melhor em suas aventuras nas telas de cinema.

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