quarta-feira, 8 de abril de 2020

A Guerra dos Pelados

O cinema nacional, mesmo diante dos títulos de insuspeita qualidade que ostenta atualmente, nunca explorou de forma satisfatória os inúmeros episódios que envolvem a história do Brasil. Dos poucos a abraçar tal tarefa, “A Guerra dos Pelados”, de Sylvio Back, lançado em 1970, busca uma recriação dos eventos acarretados na Guerra do Contestado (de 1912 a 1916) expondo a verve documentarista de seu realizador numa execução bastante comprometida com as autenticidades históricas e regionais.
Sua trama se inicia em 1913 (logo, numa fase já secundária da História em progresso) e, durante um tempo considerável, somos testemunhas do dia-a-dia rústico dos moradores da região de Taquaruçu, no interior de Santa Catarina, entre eles o doido e apaixonado Nenê (Stênio Garcia) que ensaia gestos de valentia mato adentro com seu facão para impressionar uma garota das redondezas; o nobre Adeodato (Átila Iório) cuja postura austera o faz um líder informal na região; o corajoso soldado negro Vitorino (Zózimo Bulbul), engajado no conflito; o idealista Ricarte (Otávio Augusto) romanticamente envolvido com a bela Ana (Dorothée Marie Bouvier), a revelia do pai da moça; e o sábio Pai Velho (o fabuloso Jofre Soares), uma voz de orientação e conhecimento para a comunidade.
Nesse prólogo, o povoado de Taquaruçu já se encontra em polvorosa: Todos estão indignados com a disposição subserviente do governo que cedeu terras –muitas pertencentes a humildes agricultores do lugar –para a construção de uma estrada de ferro por uma empreiteira internacional (Southern Brazil Lumber Colonization & Company, como é mostrado em uma placa em dado momento).
Logo, os desapropriados, entre os quais os personagens mencionados acima e muitos outros mais, passam a compor uma resistência que, em nome do monge José Maria (uma figura santa regional), e inspirados pela causa similar de Antônio Conselheiro na Guerra de Canudos, formam um reduto messiânico entrincheirando-se nas terras de araucárias da região e confrontando violentamente os soldados enviados para reprimí-los.
Esses rebeldes, pelo hábito coloquial de raspar a cabeça são assim denominados ‘Pelados’ enquanto que seus opositores são chamados de ‘Peludos’ em referências aos coronéis interesseiros, todos de espessa barba na cara.
O objetivo dos ‘Pelados’ é oferecer uma oposição física e bélica forte o bastante ás forças armadas dos ‘Peludos’ para que possam chegar à região de Caraguatá, onde se unirão a novos reforços, almejando contingente o suficiente para sobrepujar os inimigos.
O desenlace de suas intenções, contudo, é sangrento.
O filme de Sylvio Back não acompanha nenhum personagem com maior esmero, nem mesmo Adeodato, todos fazem parte do grande panorama que ele se esforça para pintar e, nesse objetivo, perdem-se caracterizações mais aprofundadas e sub-tramas mais elaboradas. A qualidade de filme de guerra almejada pela produção se ressalta na segunda metade, mais preenchida por valores de produção dignos de nota. As cenas de batalha concebidas pelo diretor Back são intuitivas, despidas de técnicas narrativas mais sólidas, fruto certamente da natureza criativa obtida em trabalhos documentais e ocasionados de improviso em sua filmografia.
Além disso, “A Guerra dos Pelados” é anterior a praticamente todos os clássicos atuais de filmes de guerra que passaram a servir posteriormente como referência ao que se faz no gênero. Dito isso, seus grandes méritos são o resgate corajoso e meticuloso de passagens pouco difundidas da história brasileira (em especial, ocorridas no sul do país), e o aproveitamento de tal contexto histórico numa raríssima e admirável obra nacional inserida no cinema épico.

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