Há uma característica desigual que se imprime em todos os trabalhos do diretor britânico Nicolas Roeg –um elemento peculiar onde o mundo e o ser humano, por meio do prisma sempre diferenciado de seu cinema, são expostos num viés que agrega fatalismo, minúcia e uma compreensão circunspecta do tempo e espaço que se ocupa. Interessa ao diretor Roeg explorar a condição humana, sua finitude e insuficiência diante do registro macro de seus contextos. E Roeg não abriu mão dessa concepção inclemente nem mesmo quando realizou, em 1989, uma produção infantil –ou, pelo menos, esse talvez fosse inicialmente o plano dos produtores...
Único trabalho de Nicolas Roeg dentro dessa
categoria infanto-juvenil, “A Convenção das Bruxas”, adaptado do livro de Roald
Dahl, como todo o bom cult-movie, não
fez muito sucesso de bilheteria em sua época, e foi alvo inevitável da
incompreensão de muitos críticos que apontaram não só sua indefinição de
público-alvo (uma obra que revelava-se demasiada pueril para os adultos, e
demasiada tétrica para as crianças) como também a incapacidade do próprio
estúdio em saber do que se tratava, afinal, o projeto na hora de executar seu
trabalho de divulgação.
Na Noruega, o garotinho Luke (Jasen Fisher, de
“O Tiro Que Não Saiu Pela Culatra”), na companhia da carinhosa avó (a ótima Mae
Zetterling) toma conhecimento de histórias secretas a respeito de bruxas que
vivem entre os seres humanos comuns, e podem ser detectadas por seu hábito
crônico de coçar a cabeça (todas são carecas e, por isso, ao disfarçarem-se,
usam perucas que lhes incomodam), por seus olhos perversos de incomum brilho
púrpura e sua aversão ao cheiro das crianças –ainda assim, tais bruxas estão
sempre à espreita, conta a avó, responsáveis por alguns dos mais cruéis casos
de desaparecimento que se ouviu falar. A própria avó de Luke conta que teve,
quando mais jovem, um fatídico encontro com uma bruxa –de onde teve um de seus
dedos da mão mutilados! –embora nunca tenha conseguido encontrar a lendária,
terrível e poderosa Bruxa-Mestra.
Quando o pai e a mãe de Luke morrem num
acidente, ele e a avó vão para a Inglaterra e, antes de seu retorno aos EUA,
fazem uma parada num hotel de luxo à beira-mar. O mesmo hotel que, logo depois
se descobre, está abrigando uma convenção de bruxas do mundo todo, na qual a
participante principal, a própria Bruxa-Mestra (vivida com segurança
intimidadora por Anjelica Huston), revela um plano de transformar todas as
crianças em ratos através de uma poção de efeito rápido que todas haverão de
receber. Ao bisbilhotar furtivamente e descobrir sem querer esse plano, Luke é
descoberto e, vítima da poção, transformado num rato, junto do bonachão
amiguinho Bruno (Charlie Potter). Os dois, agora convertidos nos diminutos
animais (e alvo da ira do gerente do hotel, interpretado por um Rowan Atkinson
pré-Mr, Bean!), precisam encontrar a avó de Luke e alertá-la do plano
maquiavélico, a fim de neutralizá-lo enquanto todas as bruxas, incluindo a
perigosíssima Bruxa-Mestra, ainda se encontram nas dependências do hotel.
Assinada pelo mago dos bonecos animatrônicos
Jim Henson (dono da Creature Shops, empresa responsável pelos bonecos que se vê
no filme), a produção mostra seu mais impressionante aparato técnico justamente
nas cenas em que Luke e Bruno tão transformados em ratos –os efeitos práticos
dos garotos convertidos em ratos são absolutamente brilhantes e, em momento
algum, deixam a desejar nas complexas sequências em que os ratinhos precisam
desvencilhar-se das dimensões agigantadas do hotel para executar suas tarefas,
sejam nos corredores (com os hóspedes andando pra lá e pra cá, e todos os
empecilhos físicos da elaborada cenografia), sejam dentro dos quartos (entre
eles, a cena em que invadem os aposentos da Bruxa-Mestra à procura da poção
escondida), ou na cozinha (uma das sequências-clímax onde os trechos ganham
notável execução até pela complexidade caótica dos elementos). Entretanto, é na
direção de Nicolas Roeg que, de fato, se encontra o diferencial deste trabalho:
Ao moldar um obra infantil que, ao mesmo tempo, não subestima a capacidade das
crianças de absorver algum suspense em sua narrativa, o realizador de
“Walkabout-A Longa Caminhada” entrega uma arrepiante e sensacional fantasia de
terror psicológico juvenil, incomum até mesmo para os anos 1980 à que pertence.
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