A Conquista da Honra
Quando Steven Spielberg lançou “O Resgate do Soldado Ryan”, seguido anos depois da minissérie “Band of Brothers”, ele
estabeleceu entre os filmes de guerra num novo patamar a ser alcançado;
diretores que se atreveram, naqueles anos seguintes, a se aventurar pelo gênero
tinham por obrigação tentar, ao menos, igualar aquele feito.
Ninguém conseguiu.
Claro que houveram honrosas tentativas, também
elas dignas de constar entre as grandes obras do gênero, como “Falcão Negro Em Perigo”, de Ridley Scott, e a interessante duologia de Clint Eastwood lançada
em meados de 2006, “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima” –o detalhe
interessante do projeto de Eastwood (cujo fato de ser um filme de guerra
dirigido por ele já era atrativo o bastante) acabava sendo justamente sua
divisão conciliatória e democrática entre dois filmes que assim adotavam os
pontos de vista dos dois lados opostos do combate na Segunda Guerra Mundial,
nesses tempos em que filmes desse gênero já estão bem longe de serem propaganda.
O primeiro –e visivelmente aquele no qual a
produção coloca mais esmero e orçamento –é o ponto de vista norte-americano, “A
Conquista da Honra” que, ao contar com roteiro de William Broyles Jr. e do
consagrado Paul Hagis (de “Crash-No Limite”), dedica-se aos meandros
inusitadamente políticos com os quais os combatentes do Dia D, em Iwo Jima,
tiveram de lidar.
O filme entremeia antes e depois através de
flashbacks, acompanhando os soldados John ‘Doc’ Bradley (Ryan Phillippe), Rene
Gagnon (Jesse Bradford) e Ira Hayes (o ótimo Adam Beach).
Enviados pela marinha até o Pacífico e
testemunhas da batalha pela ilha de Iwo Jima, no Japão, o grupo integrou os cinco
soldados e um médico que posaram para a icônica foto na qual fincavam a
bandeira americana na ilha, tomada após baterias brutais de bombardeios.
Um daqueles momentos divisores de águas na
cultura americana que não se pode antecipar, a foto ganhou o mundo, se tornou
famosa e levou três de seus integrantes a serem escolhidos para fazer uma turnê de
propaganda de guerra pelos EUA, adquirindo fundos para a continuidade do
conflito.
Todavia, o grupo presente na ocasião sabia que
a história difundida heroicamente pela imprensa não era exatamente aquela;
incluindo a veracidade em torno dos soldados que estavam ou não na foto tirada
–alguns deles, tinham morrido ali mesmo na ilha e, foram providencialmente
substituídos por outros, apenas para que o relato em torno da foto soasse
heróico e vitorioso. Nem todos concordaram com isso, sobretudo, o descendente
de índios Hayes que desde o começo mostrou-se o mais avesso em acatar as
instruções da campanha de marketing e mascarar detalhes da verdade.
O filme de Clint Eastwood, assim, deixa de
lado, os minimalismos explosivos do conflito, como inicialmente imaginava-se
que ele faria, para mergulhar na mente
perplexa dos soldados americanos que, depois dos exasperos impronunciáveis
experimentados em campo de batalha, ainda tiveram de lidar com as ambiguidades
mentirosas do jogo político e midiático.
Cartas de Iwo Jima
Lançado alguns meses depois, “Cartas de Iwo
Jima”, a contraparte japonesa do trabalho de Eastwood beneficiou-se que alguns
elementos inusitados como o período de lançamento mais próximo do início de
2007 –“A Conquista da Honra” foi lançado no fim de 2006 em outubro –e propício
a ser lembrado para nomeações do Oscar (para o qual o filme teve quatro
indicações); a produção bem mais modesta que resultou num filme mais pessoal e
mais redondo da parte de seu diretor; e, curiosamente, a expectativa mais
amenizada após o lançamento do filme anterior (que, de certa maneira frustrou
alguns expectadores com uma trama mais política e intimista, menos concentrada
no combate), permitindo que público e crítica acabasse se surpreendendo com o
trabalho bastante singelo, e por isso mesmo certeiro e emocionante obtido por
Clint Eastwood aqui.
Diferente do outro filme, onde o protagonismo é
dividido entre vários jovens soldados ás voltas com sua experiência, “Cartas de
Iwo Jima” tem um único e sólido personagem principal, o Tenente-General Kuribayashi
(o excelente Ken Watanabe), comandante incumbido pelo exército japonês a
proteger a base fixada na Ilha de wo Jima do iminente ataque norte-americano.
Kuribayashi não dispõe de vastos recursos, nem
de aparato bélico muito elaborado –diferente dos inimigos que veem para
esmagá-los com poderio infinitamente superior –mas, tem a seu favor um série de
pequenas vantagens de ordem estratégica: Kuribayashi morou, anos antes, nos
EUA. Ele conhece a mentalidade e o procedimento militar dos inimigos e, embora
lamente ter de enfrentar militares que um dia admirou –sentimento capturado nos
flashbacks cheios de lirismo e melancolia de quando Kuribayashi viveu nos
Estados Unidos –como militar, lhe pesa sempre a dedicação à pátria.
Ele elabora armadilhas, determina a escavação
de uma rede de túneis ao longo de todo extenso território que os inimigos irão
percorrer, e orienta seus soldados de que a furtividade será seu maior aliado
no hora de subjugar os inimigos.
Por isso mesmo, “Cartas de Iwo Jima” se mostra
menos explosivo e mais tenso e aflitivo em suas cenas de combate que se
intercalam com clareza às angústias naturais de seus soldados, eixo dramático
que tem como base as cartas escritas pelos combatentes japoneses ainda no
front.
Em tempo: Existe um único
personagem a conectar os dois filmes, trata-se do soldado norte-americano
vivido por Alessandro Mastrobuono que, em “Cartas de Iwo Jima”, aparece com um
lança-chamas na cena em que invade o bunker japonês.
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