Ao mesmo tempo em que é muito pouco conhecido,
“O Caldeirão Mágico” é também um dos mais incomuns e pouco usuais trabalhos em
animação dos Estúdios Disney, adjetivos que levaram a um fracasso de bilheteria
que quase comprometeu a existência da empresa.
Realizado em parceria com a produtora Silver
Screems –o que talvez explique suas características atípicas em relação às
outras animações –“O Caldeirão Mágico” é baseado nas “Crônicas de Prydain”, de
Lloyd Alexander, e narra uma trama de fantasia ambientada num mundo medieval,
fazendo lembrar simultaneamente a animação em série “Caverna do Dragão”, a
animação em longa-metragem “Fogo & Gelo”, e a tentativa (também em
animação) de transpor para as telas “O Senhor dos Anéis” –esses dois últimos títulos,
por sinal, ambos executados pelo mesmo Ralph Bakshi –todos lançados, mais ou
menos, pelo mesmo período: Meados da década de 1980.
Há também –como notaremos mais à frente
–diversas influências de outros trabalhos comerciais da época; transfigurando
este desenho animado em algo difícil de definir; indeciso no resultado final
que se revela ao público.
No reino imaginário de Prydain, corre uma lenda
sobre um certo ‘caldeirão negro’ –e não ‘magico’ como menciona o título –no
qual o fantasma de um rei cruel foi aprisionado junto com todos os seus
poderes. Quem obter o caldeirão, obtém então grande poder.
Após a introdução dessa já sinistra história no
prólogo, somos apresentados ao herói do filme, o jovem Taran que, na casa de
camponês que vive não é mais que um tratador de porcos, embora sonhe e
sagrar-se um corajoso cavaleiro –protagonista que tem em si todos os cacoetes
nada disfarçados de Luke Skywalker, cujo “Star Wars” pegou o mundo de assalto
alguns anos antes.
O ingresso de Taran na aventura que ocupa todo
o filme vem a ser inusitadamente a porquinha Wem-Wem que tem poderes de
vidente (?!) sendo, portanto, a única criatura no reino capaz de revelar o
jazigo misterioso do caldeirão negro. Para que o perverso Rei de Chifres não a
encontre, Taran é instruído a partir com Wem-Wem para longe.
Embora tenha suas piadinhas e seus personagens
fofinhos, tal qual uma animação Disney, “O Caldeirão Mágico” contrapõe esses
elementos com adições imprevistas, como o Rei de Chifres, um antagonista
ameaçador, sinistro e sombrio como nenhum outro já engendrado pela Disney –não
há qualquer traço humano nele, sejam reações que esbocem alguma emoção, ou
algum background narrativo que explique quem é ou de onde vem; é um vilão
visualmente amedrontador que mais parece saído de algum filme de terror.
Na trajetória de Taran, outros personagens
cruzarão seu caminho: Gurgi, uma espécie de cachorro humanóide (ou coisa
assim...), a jovem princesa Elony e o assustado menestrel Flores Flama, além de
pequenos seres que lembram fadas e que fazem lembrar também alguns personagens
do filme “A Lenda” –parece haver um constante reaproveitamento temático de
muitas influências surgidas nos anos 1980 por esta animação.
Curioso é que tudo isso incrementa uma obra
esmagada por um clima soturno e sombrio, cujos pífios esforços para ostentar
algum humor e abrandar seu clima são rapidamente sobrepujados por elementos
fatalistas, sequências violentas (inclusive, psicologicamente violentas) e
visões macabras de esqueletos, hordas de mortos-vivos e névoas bruxuleantes.
É preciso lembrar que os Estúdios Disney,
naquela época, 1985, não haviam realizado ainda “A Pequena Sereia”, nem “A Bela e A Fera”, nem “O Rei Leão”... ou seja, em termos de referência, os títulos que
eram relacionados à Disney por público e crítica, e nos quais era reconhecida
sua qualidade, datavam de anos atrás; décadas até!
Os Estúdios Disney produziram, capitaneados
pelo gênio pioneiro do próprio Walt Disney nos anos 1930, 40 e 50, algumas das
mais louvadas obras em animação de todos os tempos, contudo, nas décadas
seguintes, essa excelência minguou até quase se dissolver –os razoáveis, porém
nada impecáveis “101 Dálmatas”, “Mogli” e “Aristogatas” são dos poucos
lembrados na década de 1960; já nos anos 1970, restava a lembrança de “Bernardo
& Bianca” e olhe lá... –com a chegada dos anos 1980, tudo o que os
animadores de então tinham era um legado de antigas realizações que pesava nos
ombros de seus artesões mais como uma espécie de fardo e menos como uma
inspiração.
Com efeito, isso tudo se
registra na trama estranhamente sombria de “O Caldeirão Mágico”: Há um primor
artesanal de ponta a ponta na execução visual da animação, não restam dúvidas,
e seu jogo de cores sempre deslumbra e encanta, mas, no que tange à trama, “O
Caldeirão Mágico” se revela incoerente, enfadonho a partir de certo ponto,
ressentido de muitas soluções às quais sua própria história o levou a chegar, e
inconstante para com a fórmula que a própria Disney estipulou para o gênero:
Não existem quaisquer cenas musicais, e se há algum romance entre o mocinho e a
princesa, isso quando muito sequer interfere na trama principal.
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