sexta-feira, 10 de abril de 2020

Aristogatas

Com suas animações de sucesso consolidadas, a Disney logo criou uma espécie de fórmula com a qual acostumou seu público: Animação de primeiríssima qualidade técnica; história edificante de valores familiares em geral, norte-americanos em particular; personagens fofos, nada realistas, frequentemente animais humanizados.
Embora não evitasse seus altos e baixos, essa fórmula se manteve sólida até o estúdio se ver diante da necessidade de reinvenção na transição dos anos 1980 para os 90.
Antes disso, no entanto, a primeira geração de animadores da Disney –aquela que trabalhou diretamente com Walt Disney em pessoa e entregou alguns de seus clássicos absolutos –lapidou tal fórmula até a perfeição.
Lançado em 1971, “Aristogatas” certamente não consta entre as obras mais consagradas do estúdio –e só não desapareceu na memória do público porque a Disney tem por tradição relançar seguidamente suas animações em novas mídias –mas, passa longe da mediocridade que afetou os seus trabalhos mais problemáticos, que inclusive datam daquele período dos anos 1970.
Reúne, por sinal, uma série de características experimentadas em animações anteriores, e com resultados mais marcantes junto ao público e à crítica: Agrega, por exemplo, elementos de “A Dama e O Vagabundo” (de 1955), onde forma-se –com imenso zelo e sutileza ante a ingenuidade do público infantil –um casal de ‘classes sociais distintas’, um pobretão e uma grã-fina, por assim dizer; e também, ao elaborar uma trama centrada numa família de gatos, revela-se um reflexo da mesma premissa de “A Guerra dos Dálmatas” (de 1961), que coloca uma família de cães numa trama com grandes similaridades.
A gata Duquesa e seus filhotes, Marie, Toulouse e Berlioz, representam o grande xodó de sua dona, uma senhora milionária parisiense.
Mas, eis que o apreço de sua dona desperta sentimentos de inveja: Edgar, o aparvalhado mordomo, não só se ressente por ter de tratar gatos com mais bajulação do que seres humanos, como também conclui que a velha senhora (que não possui outros familiares) não haverá de deixar sua fortuna para ele quando morrer, mas, de alguma forma, tudo ficará para os gatos (!).
Assim, Edgar resolve colocar Duquesa e sua prole (numa noite em que todos dormem graças a um sonífero depositado em seu leite) dentro de um cesto e jogá-lo no rio.
Longe da cidade de Paris e, mais ainda, da mansão de onde quase nunca saem, Duquesa e os filhotes, muito pouco habituados com o áspero mundo exterior precisam encontrar um meio de voltar para casa.
Cruzam-se, lá pelas tantas, com o gato malandro e mundano Thomas O’Malley que, enrabichado da bela gata, resolve ajudá-los a encontrar o caminho de volta ao lar, enfrentando os obstáculos de praxe e encontrando os coadjuvantes já previsíveis de uma animação da Disney –como os gansos Abigail e Amélia, e mais a frente, o ratinho solícito e investigador Roquefort.
Não deixam de haverem nuances na animação com as quais a Disney fornece reflexos do mundo em ebulição de então, como os novos comportamentos sexuais (o romance entre o descolado O’Malley e a melindrosa Duquesa vem atrelado à necessidade dele aceitar os filhotes e a responsabilidade que ela já traz consigo) e uma preocupação em não engessar a narrativa em tradicionalismo (“Aristogatas” é praticamente destituído de números musicais nos quais os personagens saem cantando e dançando as canções outrora tão típicas do estúdio), contudo, essas facetas surgem tão amenas e dispersas que pouco passam percebidas, numa animação que embora encante com sua perfeição técnica oferece pouco, muito pouco, em vista do primor com a qual a própria Disney terminou habituando seus expectadores.

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