Com suas animações de sucesso consolidadas, a
Disney logo criou uma espécie de fórmula com a qual acostumou seu público:
Animação de primeiríssima qualidade técnica; história edificante de valores
familiares em geral, norte-americanos em particular; personagens fofos, nada
realistas, frequentemente animais humanizados.
Embora não evitasse seus altos e baixos, essa
fórmula se manteve sólida até o estúdio se ver diante da necessidade de
reinvenção na transição dos anos 1980 para os 90.
Antes disso, no entanto, a primeira geração de
animadores da Disney –aquela que trabalhou diretamente com Walt Disney em
pessoa e entregou alguns de seus clássicos absolutos –lapidou tal fórmula até a
perfeição.
Lançado em 1971, “Aristogatas” certamente não
consta entre as obras mais consagradas do estúdio –e só não desapareceu na
memória do público porque a Disney tem por tradição relançar seguidamente suas
animações em novas mídias –mas, passa longe da mediocridade que afetou os seus
trabalhos mais problemáticos, que inclusive datam daquele período dos anos
1970.
Reúne, por sinal, uma série de características
experimentadas em animações anteriores, e com resultados mais marcantes junto
ao público e à crítica: Agrega, por exemplo, elementos de “A Dama e O Vagabundo”
(de 1955), onde forma-se –com imenso zelo e sutileza ante a ingenuidade do
público infantil –um casal de ‘classes sociais distintas’, um pobretão e uma
grã-fina, por assim dizer; e também, ao elaborar uma trama centrada numa
família de gatos, revela-se um reflexo da mesma premissa de “A Guerra dos
Dálmatas” (de 1961), que coloca uma família de cães numa trama com grandes
similaridades.
A gata Duquesa e seus filhotes, Marie, Toulouse
e Berlioz, representam o grande xodó de sua dona, uma senhora milionária
parisiense.
Mas, eis que o apreço de sua dona desperta
sentimentos de inveja: Edgar, o aparvalhado mordomo, não só se ressente por ter
de tratar gatos com mais bajulação do que seres humanos, como também conclui
que a velha senhora (que não possui outros familiares) não haverá de deixar sua
fortuna para ele quando morrer, mas, de alguma forma, tudo ficará para os gatos
(!).
Assim, Edgar resolve colocar Duquesa e sua
prole (numa noite em que todos dormem graças a um sonífero depositado em seu
leite) dentro de um cesto e jogá-lo no rio.
Longe da cidade de Paris e, mais ainda, da
mansão de onde quase nunca saem, Duquesa e os filhotes, muito pouco habituados
com o áspero mundo exterior precisam encontrar um meio de voltar para casa.
Cruzam-se, lá pelas tantas, com o gato malandro
e mundano Thomas O’Malley que, enrabichado da bela gata, resolve ajudá-los a
encontrar o caminho de volta ao lar, enfrentando os obstáculos de praxe e
encontrando os coadjuvantes já previsíveis de uma animação da Disney –como os
gansos Abigail e Amélia, e mais a frente, o ratinho solícito e investigador
Roquefort.
Não deixam de haverem
nuances na animação com as quais a Disney fornece reflexos do mundo em ebulição
de então, como os novos comportamentos sexuais (o romance entre o descolado
O’Malley e a melindrosa Duquesa vem atrelado à necessidade dele aceitar os
filhotes e a responsabilidade que ela já traz consigo) e uma preocupação em não
engessar a narrativa em tradicionalismo (“Aristogatas” é praticamente
destituído de números musicais nos quais os personagens saem cantando e
dançando as canções outrora tão típicas do estúdio), contudo, essas facetas
surgem tão amenas e dispersas que pouco passam percebidas, numa animação que
embora encante com sua perfeição técnica oferece pouco, muito pouco, em vista
do primor com a qual a própria Disney terminou habituando seus expectadores.
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