quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A Pequena Sereia

Havia algo de errado com a Disney no final da década de 1980.
Vinda de uma sucessão de animações pouco memoráveis que remontavam desde a década passada, o estúdio de animação de Mickey Mouse enfrentava críticas que especulavam sua decadência toda a vez que lançava obras como “Oliver e Seus Companheiros” ou “O Caldeirão Mágico”. Trabalhos que, se vinham embalados por sua costumeira perfeição técnica no quesito de animação, tinham também uma deplorável superficialidade, passando longe da excelência artística ostentada pelos clássicos do período áureo dos estúdios.
O quê muita gente não sabia é que era exatamente esse legado que pesava sobre os ombros daqueles animadores de então (eles sentiam-se inferiores diante da eterna comparação com realizadores de obras seminais como “Branca de Neve e Os Sete Anões” ou “Fantasia”!), oprimindo sua liberdade artística e sua criatividade.
Em algum momento, surgiu assim uma necessidade de reformulação, e para isso foi chamado um executivo absolutamente avesso ao sistema das animações: Jeffrey Katzenberg.
Irrequieto, impaciente e muitas vezes implacável, sua política era simples: Obter resultados financeiros imediatos.
E para tanto foi necessário um projeto que paradoxalmente unia a recuperação de elementos tradicionais da Disney com uma insuspeita inovação temática.
O projeto durante o qual essa mudança se deu era uma adaptação de um conto de Hans Christian Andersen, justamente um dos poucos ainda não trabalhados pela Disney, mas que guardava elementos que faltavam nas animações do estúdio, pelo menos, nos últimos trinta anos: “A Pequena Sereia”.
Em termos básicos, a trama mostrava a trajetória de Ariel (provavelmente a mais sensacional personagem da Disney dos anos 1980), filha mais nova de Tritão, o rei do Mar que, apaixonada por um príncipe humano, contraria os apelos de seu pai e, na ânsia de buscar seu amor e conhecer o mundo da superfície que tanto a fascina, faz um pacto com a ardilosa Bruxa do Mar para assim adquirir a forma terrena de mulher.
Mas tem que abdicar de sua linda voz –e o modo que os animadores encontraram para dar plena expressividade à personagem sem que ela necessite de diálogos é um dos muitos achados maravilhosos deste trabalho.
Além de um esmero maior na concepção de sua trama (e do detalhe saudosista de ser, enfim, uma nova animação que tratava de certa forma de uma princesa), o filme beneficiou-se de um momento de iluminação da parte dos autores de sua trilha sonora, Howard Ashman e Alan Menken, que conceberam as canções mais inspiradas que o estúdio teve em décadas (sendo a contagiante “Under The Sea”, vencedora do Oscar, o grande destaque).
De alguma forma, a Disney havia recuperado sua magia.
Reza a lenda que Katzenberg, mesmo ciente da qualidade estratosférica da obra que tinham em mãos, não apostava no sucesso comercial. Segundo ele, “A Pequena Sereia” era um filme “para meninas” e, por isso, dificilmente teria uma bilheteria como a do anterior “Oliver e Seus Companheiros”, um filme “de garotos”.
Ele não poderia estar mais errado: O sucesso de público e critica de “A Pequena Sereia” foi de tal maneira acachapante que ele revitalizou a qualidade claudicante das animações do estúdio.

“A Pequena Sereia” foi o primeiro e essencial passo de uma caminhada que conduziu os estúdios de Walt Disney à uma década de 1990 na qual entregariam alguns de seus mais aclamados trabalhos.

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